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Redenção recebe exposição do cartunista e cicloativista Andy Singer: “Importante que artistas alertem sobre o futuro”

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Redenção recebe exposição do cartunista e cicloativista Andy Singer: “Importante que artistas alertem sobre o futuro” Autorretrato do cartunista Andy Singer (Foto: Reprodução)

Este conteúdo é uma produção feita em parceria com a Virada Sustentável. Este link mostra como funcionam as parcerias com o Matinal

No próximo fim de semana, o Parque da Redenção servirá de galeria para a exposição “No Exit (Sem Saída)”, do cartunista e ativista norte-americano Andy Singer. Com obras que convidam a reflexões sobre meio ambiente, desigualdade, tecnologia e, principalmente, mobilidade urbana, a mostra reunirá quadrinhos do artista publicados em revistas, jornais e livros a partir do início dos anos 1990. A exposição fica em cartaz no sábado e no domingo.

“Acho importante que os artistas alertem as pessoas sobre o futuro e sobre como será o mundo se não forem feitas mudanças econômicas e ambientais importantes. Artistas são educadores”, diz o cartunista.

A Redenção também recebe, no domingo, entre as 11h e as 16h, apresentações das orquestras Jovem do Rio Grande do Sul, Projari Guaíba e Villa-Lobos, das além de ser o local de largada da Pedalada da Virada, às 16h. Abaixo, confira a entrevista com o cartunista Andy Singer.

Você nasceu nos anos 1960 e começou a publicar seus trabalhos nos anos 1990. Desde lá, o mundo parece ainda não ter conseguido encontrar alternativas aos combustíveis fósseis, ao transporte individual em carros e ao desmatamento. Você acha que a questão da mobilidade urbana melhorou ou piorou, em termos gerais? 

Andy Singer: Em alguns aspectos, está melhor. Ao redor do mundo, cidades vêm melhorando de forma importante a infraestrutura para ciclistas e atletas. No início dos anos 1990, quase não havia ciclovias e faixas separadas (ou “protegidas”) nas cidades norte-americanas. Agora, mesmo em Nova York há muitas faixas separadas ou protegidas para bicicletas, incluindo o Hudson River Greenway (faixa de trânsito em Nova York reservada para pedestres e bicicletas) e ciclofaixas protegidas por vagas para carros estacionarem em muitas das maiores ruas da cidade. Essa também é a realidade de grandes cidades ao redor do mundo, como São Paulo, no Brasil. Bicicletas e pedestres também têm mais acesso a pontes nas cidades dos Estados Unidos – até os anos 1990, bicicletas eram simplesmente banidas de pontes importantes que cruzavam rios ou outros obstáculos de trânsito. Agora, há leis federais que obrigam bicicletas e pedestres a serem aceitos em pontes. Então, em Nova York ou em Minnesota, onde eu moro, quase todas as pontes têm ciclofaixas. Recentemente, pedalei por Nova York e foi muito bom – ou infinitamente melhor do que era no início dos anos 1990.

Graças a essas melhorias de infraestrutura, o número de pessoas que vai ao trabalho de bicicleta cresceu consideravelmente desde os anos 1990, ainda que continue sendo muito menor do que em cidades europeias como Copenhague. Ainda assim, ficou provado que, se uma cidade torna mais confortável pedalar e caminhar, as pessoas vão fazer isso em vez de dirigir. Então, a questão da mobilidade urbana melhorou. O mesmo acontece com transporte público (nas cidades). Houve grande investimento em VLTs e trens nos Estados Unidos durante os anos 1990 e 2000.

Em uma escala nacional, no entanto, ainda estamos dirigindo muito e planejando subúrbios, moradias, empregos e o resto de nossas vidas em torno de automóveis. Nos Estados Unidos, ainda construímos muitas novas estradas e novas faixas nessas estradas, além de estruturas de moradia e trabalho orientadas para carros. A indústria automobilística conseguiu fazer com que a população e os políticos se fixassem na ideia de “carros sem motorista” e outras tecnologias como solução para mobilidade e segurança, em vez de focar na criação de cidades livres de carros, projetar moradia, emprego e serviços em torno do transporte público e criar lugares para viver que sejam agradáveis e caminháveis. A resposta está em construir e projetar as coisas em torno das pessoas – a pé, pedalando ou no transporte público.

Não temos como diminuir o uso de carros e a emissão de carbono sem diminuir a necessidade das pessoas de viajar. E só podemos fazer isso planejando, legislando e focando em criar lugares mais densos, amigáveis ao pedestre e agradáveis para viver. Isso significa criar leis que imponham “limites de crescimento urbano” e outras regras sobre mercado imobiliário e uso de terra, criando áreas proibidas para carros nas cidades, diminuindo a poluição sonora e fazendo nossas cidades lugares mais agradáveis para viver. Ainda não estamos fazendo isso, pelo menos nos Estados Unidos.

No ano passado, você expôs suas obras na Avenida Paulista, uma das ruas mais movimentadas do Brasil, como parte da programação da Virada Sustentável naquela cidade. Agora, seu trabalho estará exposto em um grande parque de Porto Alegre, onde as pessoas costumam ir para momentos de lazer e descanso. Você acha que a diferença entre os dois espaços também altera a percepção de suas obras?

Acho que, em um parque, é mais fácil para as pessoas lerem e olharem para as coisas. Em uma grande avenida, como a Avenida Paulista, todo mundo está se movimentando e tentando chegar a outros lugares. Se estiverem dirigindo, têm que prestar atenção na via. Se estão pedalando ou atravessando a rua, têm que prestar atenção nos carros. Talvez, em um parque, é mais fácil olhar para as imagens e pensar sobre elas. Mas talvez haja mais gente na Avenida Paulista? Então não sei.

Nos últimos anos, muitos países elegeram líderes de extrema-direita, como Brasil e Estados Unidos. São governantes que tendem a subestimar questões como aquecimento global, desigualdade social e destruição do meio ambiente. Como um artista que trabalha diretamente com essas questões, você vê o seu trabalho como algo mais importante atualmente? E, por outro lado, é também mais difícil lidar com essas temáticas?

Em última análise, tentar lidar com o aquecimento global requer grandes mudanças nos nossos sistemas econômico, de transporte e de energia. Isso ameaça interesses poderosos – fabricantes de carros e de aviões, empresas aéreas, transportadores, indústrias de petróleo, combustíveis, carvão, construtoras de estradas e setores ligados à agricultura. Essas empresas e muitos de seus sócios não querem que as coisas mudem, porque eles perderiam dinheiro. Então, eles lutam contra qualquer mudança com desinformação e comprando políticos para que se oponham a qualquer tipo de ação, seja taxação de carbono, limites de crescimento urbano, pedágios, metas de redução de emissão ou qualquer outra coisa. Há todo esse capital que é contra as mudanças. Ao mesmo tempo, há uma grande parte da população que trabalha para essas companhias e não imagina suas vidas sendo diferentes. Essas pessoas ficam impressionadas com qualquer indício de mudança, ficam assustadas e aceitam a desinformação que essas companhias e que as elites oferecem. O resultado são governos de direita e seus seguidores, que são completamente desconectados da realidade. Por causa de medo e ganância, se cria esse estranho mundo da fantasia em que aquecimento global e problemas no meio ambiente não existem – casos de Trump e Bolsonaro.

Acho importante que artistas alertem as pessoas sobre o futuro e sobre como ele será se não fizermos grandes mudanças econômicas e ambientais. E é importante que artistas tentem visualizar positivamente o que essas mudanças trariam, para que oponentes não precisem ficar assustados e possam se sentir motivados por uma visão positiva, em vez do medo. Artistas são educadores. Como jornalistas e professores, temos que tentar falar a verdade e oferecer caminhos para as pessoas melhorarem suas vidas. Quando governos autoritários tornam-se repressivos, como nas Filipinas, essa tarefa se torna ainda mais difícil, porque nos tornamos alvo de repressão. Até agora, nos Estados Unidos e no Brasil, não houve repressão evidente… Mas há repressão sutil. Como cartunista ou jornalista, você só é promovido a grandes trabalhos e mercados importantes se você falar o que os patrocinadores querem. E os patrocinadores são empresas de carro ou companhias interessadas em manter o status quo. Se você desafia o status quo, vai passar a vida sendo relegado às margens – a mídia “alternativa”. Eu passei a maior parte da minha vida nesse espaço, mas estou de boa com isso. Precisamos de pessoas que estejam dentro do “establishment” (na política, nas artes ou no jornalismo) e estejam dispostas a arriscar seus empregos para serem líderes. Eles precisam dizer o que tem que ser dito e ajudar as coisas a mudarem. Caso contrário, nada acontece.

Você é influenciado por artistas de quadrinhos que vieram antes de você, como Robert Crumb, mas é também uma grande influência para cartunistas que vieram depois de você. Como você analisa a arte em quadrinhos feita atualmente e que artistas você recomenda?

Na verdade, sou mais influenciado por Bernie Kliban. Kliban era um cartunista norte-americano que trabalhava em revistas nos anos 1960 e 1970. Ele era famoso por seus quadrinhos sobre gatos, mas também fazia quadrinhos sobre tecnologia, política e todo tipo de tópico. Seus livros “Never Eat Anything Larger Than Your Head”, “Cat” e “Tiny Footprints” ainda são editados, mas ele fez muitos outros livros. Ele é a maior influência para cartunistas de jornais norte-americanos, como Gary Larson, Dan Piraro, eu e muitos outros. E também amo Mark Stamaty, que fazia um quadrinho chamado “Washingtoon”, Saul Steinberg (famoso por seu trabalho na revista New Yorker), Ron Cobb, Seth Tobocman, que ajudou a lançar a World War 3 Illustrated (uma grande revista de  quadrinhos independente), Tom Toles, Sue Coe, Roz Chast, o antigo quadrinho “life in hell”, de Matt Groening, e o antigo cartunista americano Rube Goldberg. É mais ou menos isso que eu tentava imitar quando estava crescendo.

Quadrinhos não são mais tão influentes quanto eram. Alguns dos meus cartunistas preferidos atualmente são “Tom Tomorrow” (Dan Perkins), que faz uma tirinha chamada “This Modern World”, “Reuben Bolling” (Ken Fisher), que faz a tirinha “Tom the Dancing Bug”, o britânico Darryl Cunningham, o espanhol Miguel Brieva (que fez a revista “Dinero”), o também espanhol Eneko (que foi demitido em 2017 por fazer um quadrinho sobre violência policial), Clay Bennett, o francês Pierre Druilhe, Laerte Coutinho no Brasil… E muitos outros.

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