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“Alùjá”: Diih Neques Olákùndé celebra musicalidade do batuque

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“Alùjá”: Diih Neques Olákùndé celebra musicalidade do batuque Diih Neques Olákunde. Foto: Liege Ferreira

Filho de Xangô, nascido no bairro Umbu, em Alvorada, Diih Neques Olákùndé lança nesta sexta-feira (30/7) o álbum Alùjá, em parceria com o Projeto Gema e financiado pela Lei Aldir Blanc. Ao longo de 12 faixas – cada uma com o nome de um orixá –, o trabalho percorre toques e nkorins (rezas) do batuque, levando a musicalidade dos terreiros para as plataformas digitais.

“O trabalho foi pensado musicalmente e como registro histórico, sempre preservando os elementos fundamentais da religiosidade”, conta Diih, 27 anos, alágbè de batuque desde os 15, função ritualística que exerce em terreiros como Ilê Axé Águas de Oxum e Ilê Axé Omy Nanã. Ele é também produtor musical e arte-educador, tendo atuado desde a adolescência em projetos sociais como o Nação Periférica, desenvolvido em Alvorada e inspirado em iniciativas como o Afroreggae e o Olodum, com influências das bandas marciais negras dos Estados Unidos.

“Me considero rezador, e não cantor. Por isso, quando decidi gravar, preferi chamar pessoas, não necessariamente do batuque, que pudessem enfatizar a musicalidade do projeto”, explica Diih. Alùjá, nome de um toque para Xangô que pode ser traduzido como “bater até rasgar”, inclui participações de parceiros de Diih como o músico – e amigo desde a adolescência – Dona Conceição. “Somos pessoas do axé e levantamos a bandeira do respeito à nossa religião e a nós, dois jovens negros de uma cidade periférica do Rio Grande do Sul. Temos essa afinidade e muito amor e carinho um pelo outro”, explica Dona Conceição, nascido no bairro Tijuca, em Alvorada, e padrinho de Aline, filha de Diih.

Bruno Amaral, Dessa Ferreira e Gutcha Ramil – as duas últimas, integrantes das Três Marias, com quem Diih colabora em iniciativas sociais – completam o time de músicos que participam do álbum. Brasiliense radicada em Porto Alegre, Dessa ressalta a relevância do projeto como expressão cultural da população negra no Sul do país: “Estamos falando de cultura afro-gaúcha, de batuque, de espiritualidade, de ancestralidade. É um registro muito importe para uma região ainda vista como branca”.

Diih Neques Olákunde. Foto: Liege Ferreira

As faixas incluem ainda a participação do babalorixá Roger Olanyan de Aganju, pai espiritual de Diih. “Fizemos um trabalho para que a sociedade nos aceite, veja que temos pessoas inteligentes e que respeitamos o próximo, mas também queremos ser respeitados”, conta Roger. Partiu dele a ideia de contemplar em Alùjá cantigas das nações africanas Jege, Ijexá, Oió, Cabinda e Ketu, algumas das mais expressivas na cultura afro-gaúcha e afro-brasileira. O babalorixá, que colaborou com seus conhecimentos de iorubá durante a produção do álbum, defende que a cultura do batuque ganhe mais registros – visibilidade que ganha forma não só no álbum sonoro, mas também nas partituras dos 16 toques presentes em Alùjá, catalogadas pelos compositores Angelo Primon e Nise Franklin, que serão disponibilizadas no site da iniciativa.

“Diih consegue trazer o sotaque e os matizes da afrobrasilidade de seu toque para a música composicional. Ele não é um músico instrumentista, é um alágbè instrumentista”, define Primon, que conheceu Diih em projetos sociais. “Ele diz que sou padrinho dele, mas na verdade somos irmãos musicais”, afirma Primon.

Diih Neques Olákunde. Foto: Liege Ferreira

Produtor executivo de Alùjá e do Projeto Gema, Lucas Luz aponta como diferencial do álbum o cuidado na captação sonora de agogôs, ilús, agês e sinetas realizada por Clauber Scholles e Lucas Kinoshita no estúdio Tamborearte. A minúcia desse trabalho pode ser percebida mesmo por quem não está familiarizado com aspectos técnicos dos estúdios. Alùjá apresenta uma sonoridade envolvente que permite escutar com clareza as nuances de toques e rezas, situando o ouvinte em um espaço muito particular construído por Diih. Seria uma espécie de ponte entre o terreiro e os palcos? Mais do que isso, na visão do produtor do álbum. “Não sei se diria que essa ponte existe, ligando um lugar a outro. Para o Diih, esse lugar é um só. Existe um território, que é ele próprio e onde ele flui”, reflete o idealizador do Projeto Gema.

Terreiro espiritual e sonoro

Os orixás estão presentes na jornada de Diih desde muito cedo. “Minha mãe teve dois abortos antes do meu nascimento. Então ela foi a um terreiro da Tia Jô, filha de Xangô, no Umbu, que fez trabalhos espirituais para eu nascer com saúde. Fui salvo no terreiro”, conta o alágbè, que apesar de complicações no parto, nasceu cheio de vida, “de 8 meses, com peso de 1 ano”.

A memória familiar também dá conta de uma vez na qual Diih, por volta dos seis meses de idade, devorava um frango com farofa em frente a um quarto de santo. “Minha mãe chegou do mercado e ficou apavorada porque eu ainda não comia sólidos, mas já tinha comido quase todo o frango”, diverte-se Diih, que tem lembranças de tocar tambor com o irmão em terreiros e de escutar o pai, também músico, em eventos familiares. “Consegui trazer um pouco do batuque para a minha musicalidade, e da musicalidade tradicional – na falta de outra palavra – para dentro do batuque”, resume o rezador.

Diih Neques Olákunde. Foto: Liege Ferreira

Já o produtor Lucas Luz considera Diih alguém que “hackeia a ancestralidade”. “Ele tem uma voz de pessoa velha, uma tranquilidade, um afeto e uma generosidade que é muito difícil de ver em pessoas de 27 anos. E no Brasil de 2021, perpetuar legados de pessoas jovens, pretas, periféricas e pobres é urgente”, completa o idealizador do Projeto Gema.

O produtor ressalta o quanto a sonoridade dos terreiros é ingrediente elementar da música do país. “Umbanda, candomblé, batuque, macumba sempre dialogaram com a música popular brasileira”. Luz cita desde os primeiros registros fonográficos do samba até uma gama de nomes que inclui J.B. de Carvalho, Orquestra Afro-brasileira, José Prates, Moacir Santos, Dorival Caymmi, Vinicius de Moraes, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Metá Metá.

No contexto do batuque no Rio Grande do Sul, Luz destaca os trabalhos de Abelardo Pereira, Antônio Carlos de Xangô e Mestre Borel. O produtor especula que a escassez de registros sonoros do batuque é fruto, entre outros fatores, do racismo estrutural no estado e da reserva dos praticantes em relação a seus rituais. Com o objetivo de difundir toques e rezas de forma mais ampla e preservar a memória ancestral do batuque, o site do álbum Alùjá apresentará, além de letras e partituras, um documentário dirigido por Thiago Lázeri. Diih e a equipe do Gema também avaliam a possibilidade de transformar Alùjá em um espetáculo que contemple a música, a dança e outros elementos relacionados à ritualística do batuque.

Sobre o Projeto Gema

O Projeto Gema é uma iniciativa musical multiplataforma composta por documentários, podcasts, textos, fotografias e revistas sobre a música regional do Rio Grande do Sul. O fio condutor do projeto é a musicalidade, a diversidade e os diferentes fazeres musicais dos povos que compõem a herança cultural do estado, contemplando ainda a cultura popular ancestral e os mestres e comunidades tradicionais que habitam seu território.

Aproveite para ler a revista Parêntese #78, com o tema Porto Negro.

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