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Frank Jorge e Kassin lançam saborosa geleia geral sonora

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Frank Jorge e Kassin lançam saborosa geleia geral sonora Frank Jorge e Kassin. Foto: Vitória Proença/Divulgação

Frank Jorge e Kassin lançam nesta sexta-feira (5/3) o ótimo resultado de uma parceria criativa: o álbum Nunca Fomos Tão Lindos. O gaúcho assina a composição das 13 faixas, enquanto Kassin responde pela produção musical. O disco foi selecionado pelo Edital Natura Musical, por meio da lei estadual de incentivo à cultura do Rio Grande do Sul (Pró-Cultura), ao lado de Vitor Ramil, Zudizilla e Tem Preto no Sul, entre outros. No Estado, a plataforma já ofereceu até 2019 recursos para 30 projetos, contemplando nomes como Filipe Catto, Bloco da Laje, Renato Borghetti e Yamandu Costa, Musa Híbrida e Thiago Ramil.

Refletindo o ecletismo e a grande bagagem musical de Frank Jorge e Kassin, Nunca Fomos Tão Lindos transita entre referências diversas: vai desde uma pegada pop ao brega, passando por samba-jazz, música eletrônica, rock’n’roll e, como não poderia ficar de fora, o iê-iê-iê jovenguardista. Essa geleia geral sonora embala canções cujas letras abordam temas contemporâneos, como o comportamento obsessivo pela exposição da imagem em redes sociais, a cultura do cancelamento e, claro, assuntos do coração. O lançamento do disco é acompanhado por um minidoc sobre o processo de gravação do trabalho.

Furto da Energia abre o álbum com uma mistura de ritmos brasileiros com o afropop do mestre nigeriano Fela Kuti. Com participação do trombonista Marlon Sette, Não Faz Mal é um samba-jazz sobre a necessidade de pensar as relações em uma sociedade de urgências, negacionismos e cancelamentos. Já Tô Negativado tem influência direta dos ritmos do Pará como o carimbó e o tecnobrega.

Frame do documentário. Foto: Natura Musical/Divulgação

Inspirada nas baladas sertanejas radiofônicas, Complicado Jeito de Amar fala a respeito de inseguranças, carências, saudades, alguma esperança, algum amor no coração. “Kassin trouxe uma ideia bacana com instrumentação reduzida, reforçando assim o suspense e a dramaticidade da letra. Soa como um technopop dos Eurythmics dos anos 1980”, resume Frank. Fechando o álbum, Sinceridade é uma canção que “sintetiza super bem esse imaginário percorrido de várias formas no decorrer do disco: música brega, música popular com elementos e efeitos eletrônicos, com letras questionadoras sobre a condição humana neste início de século 21”, segundo o cantor, compositor e guitarrista porto-alegrense.

Escute o disco Nunca Fomos Tão Lindos aqui.

Assista ao minidoc da gravação do álbum aqui.

Na entrevista exclusiva a seguir, Frank Jorge e Kassin falam desse trabalho conjunto, revelam suas influências musicais e comentam sobre os percalços de viver em um país assolado pela pandemia e pelo autoritarismo. “Vejo quase como uma nova missão de toda a sociedade brasileira frear esses ímpetos conservadores e olhar para a construção de um futuro mais digno, íntegro, inclusivo, respeitoso”, acredita Frank.

Capa do disco. Foto: Vitória Proença/Divulgação

Como surgiu essa parceria?

Frank Jorge – O Kassin produziu o disco Graforreia Xilarmônica ao Vivo em 2004, ano da gravação – o álbum saiu em 2006 – com o Berna Cepas, e foi um momento de conhecê-lo melhor. Mas, justamente, tinha um outro histórico de sincronicidades anteriores-confusas: em 1992, a GX tocou no Festival SuperDemo e, segundo o Kassin, fomos apresentados… Não recordo muito bem desse momento. Em 2001, saiu o álbum Bloco do Eu Sozinho, dos Los Hermanos, e, como muita gente, fiquei encantado com aquele álbum… Produção do Kassin. Em 2019, assisti em fevereiro ao show dele com sua banda em Porto Alegre no bar Agulha, conversamos um pouco. Fomos trocando umas ideias “pilhadas” por um amigo em comum, inscrevemos o projeto no Natura Musical 2019 e fomos contemplados!!! Comecei a compor materiais para esse projeto pensando em música brega dos anos 1970, rock’n’roll dos anos 1970 e conversando muito com ele por telefone, videochamada. Final de fevereiro, antes do semestre letivo iniciar, gravei no estúdio Marquise 51 um material demo com 14 músicas, com violão, teclado, guitarra, baixo, sem bateria. E ele foi erguendo ideias rítmicas com muitos sons e efeitos eletrônicos interessantíssimos!

Kassin – Sou fã do Frank desde que vi a Graforreia tocando no Rio em 1994, no Festival SuperDemo. Fiquei louco com aquilo e fui ao longo dos anos cultivando essa amizade com o Frank. Anos atrás, o Iuri Freiberger, que produziu discos dele, sugeriu nós três gravarmos juntos. Ficamos alguns anos falando disso, mas não aconteceu. Então, Frank propôs esse projeto no edital da Natura Musical e passamos. Nem acreditei quando vi o resultado.

Como a colaboração entre vocês funcionou durante a concepção e a gravação do disco?

Frank – Como disse, muita troca e diálogo através de ligações telefônicas, videochamadas, e-mails, falando sobre referências musicais em comum,
como Celly Campello, Brian Wilson, The High Llamas, Devo… Organizávamos na véspera das datas de gravação uma espécie de roteiro do que eu gravaria no dia seguinte, por exemplo, gravar guitarra em tais e tais músicas, guitarra base, algum dedilhado, algum solo, e assim por diante. Eventualmente ele trouxe sugestões de suprimir alguma “volta” na música que estava duplicada, coisas desse tipo. Todas as suas ideias foram sempre muito bem vindas e respeitadas.

Kassin – Frank já tinha um conjunto de músicas pensado para o álbum. Pensamos se eu deveria cantar e ter músicas minhas também, mas achei que isso não era o que eu realmente queria. Queria parar e fazer arranjos para as músicas dele. Ficamos falando sobre como gravaríamos por um tempo, por chamadas de vídeo, ao longo da quarentena, e percebemos que o encontro seria impossível. Isso acabou dando uma nova cara pro disco que imaginamos inicialmente, e, ao meu ver, uma coisa melhor do que havíamos planejado.

O que Kassin trouxe para a sua música?

Frank – O Kassin soube ouvir as músicas, que foram compostas com um certo DNA de canção/canção jovenguardiana, e remetê-las para outros universos musicais, como, por exemplo, música popular brasileira, reggaeton, synth pop, música eletrônica em geral, disco music. Kassin, nas palavras do Vini Angeli, que trabalhou no clipe de O que Vou Postar Aqui e no minidoc, levou a minha voz para outros lugares. E sou muito grato por isso.

O que Frank Jorge trouxe para a sua música?

Kassin – Durante esse disco, nada, mas, ao longo de todos estes anos, tive bastante inspiração, principalmente as letras dele e o senso de humor suave que eu adoro.

Frame do documentário. Foto: Natura Musical/Divulgação

O disco reúne uma grande variedade de influências sonoras, origens musicais e ritmos. Quais foram as principais referências na criação da diversidade sonora de Nunca Fomos Tão Lindos?

Kassin – Na verdade, ao longo do disco tentamos não ter uma grande referência. Não Lembro Bem do Meu Pai é uma exceção, em que pensamos em fazer algo disco.

A faixa Não Lembro Bem do Meu Pai tem ritmo de disco music, o que é surpreendente por conta do tom confessional da letra de inspiração
autobiográfica. Comente a respeito dessa escolha estética inusitada, por favor.

Frank – Essa faixa entrou aos 45 do segundo tempo no álbum. Após estarmos com um panorama de várias músicas já bem encaminhadas em termos de instrumentação e pré-mix, Kassin sugeriu que eu avaliasse o que tínhamos e se alguma música ainda inédita não poderia ser inserida. Tinha essa canção bem autobiográfica, lá, bem guardadinha. Pensava nela sempre como I Will Survive na versão do Cake; gostava de lembrar de umas disco music do filme O Baile, do Ettore Scola… E o resto é resto. Kassin tocou-gravou um baixo estupendo na música, única em que ele toca baixo, e chamou o Rodrigo Tavares, que é um músico especialista nesses teclados desse tipo de música. É uma das minhas prediletas do álbum… Em alguma medida, esse tipo de ritmo dançante, embalado, remete a um período de 1970 para 1980… E a letra meio melancólica, narrativa familiar-existencial, gera um contraste interessante.

Tematicamente, além da abordagem irônica dos percalços amorosos – uma recorrência em suas canções –, muitas faixas abordam a exposição nas redes sociais em um mundo excessivamente midiático. Como você se relaciona com essas demandas da vida contemporânea no ambiente virtual?

Frank – Esse assunto é um dos meus prediletos: a complexidade da vida humana e suas relações em sociedade neste início de século 21 e os percalços e lambanças de tipos de uso e interações de mídias sociais digitais. É muita postagem, é muito xingamento, é muito cancelamento, é muito conteúdo e
pouco tempo para gerenciar e selecionar O QUE VOU POSTAR AQUI. Acho bem importante manter regularidade nas mídias sociais digitais, mas também ficar um pouco off-line, se grudar num livro e ler muitas páginas sem a ansiedade de ficar espiando msgs no celular, arrumar e selecionar para doação livros na biblioteca de casa, doar/desapegar, aliás, fez bastante parte deste meu período na pandemia, e ainda sigo tendo montes de mídias físicas como jornais, livros, discos, DVDs, CDs, revistas… Aos pouquinhos vou fazendo com que circulem dando espaço para outros criadores, autores. Estou lendo agora A Visita Cruel do Tempo, da norte-americana Jennifer Egan. Mas eu gosto de falar sobre esse tema de modo leve, brincando, questionando, comentando. Acredito muito na liberdade e na liberdade das pessoas usarem a internet como acharem interessante. E isso é um processo muito individual… Embora as mídias sociais agreguem milhões de pessoas no mundo.

Frame do documentário. Foto: Natura Musical/Divulgação

Como ficou o cenário para os músicos com essa pandemia do novo coronavírus, que suspendeu temporariamente os shows presenciais ao vivo?

Kassin – É terrível o ponto onde estamos, mas não é só terrível para os músicos. É terrível para todos, é impossível dizer que a vida está normal, mas vamos lidando com isso com elegância, apesar deste momento em que estamos, com vergonha de fazer parte deste Brasil.

Frank – Ficou bem difícil… Tenho falado com muitos amigos músicos, e por vezes, mesmo que eu não consiga ajudar de forma mais direta, concreta, financeiramente, tento conversar, prospectar trabalhos, trazer sugestões de updates pessoais… Os editais estão por aí com recursos a serem pleiteados mediante projetos… Aprimorar a elaboração de projetos tornou-se quase uma necessidade de sobrevivência para a classe artística.

Estamos enfrentando também uma onda de conservadorismo e autoritarismo que busca ditar as regras nos costumes e na cultura. Como você vê o Brasil de hoje e dos próximos anos?

Kassin – Espero que as pessoas se toquem de que as coisas não estão num bom lugar, é preciso mudar. Eu acredito tanto que o Brasil é melhor que isso, espero que volte a ser.

Frank – Acho horrível tudo isso que todos nós estamos passando com tanta estupidez, grosseria, negacionismos… Vivi justamente a redemocratização do nosso país quando tinha 14, 15, 16 anos e via uma dicção jovem surgir através de novas bandas, novos grupos de teatro, aglomerações em espaços públicos, rádios e outros meios de comunicação sendo receptivos ao “novo”. Vejo quase como uma nova missão de toda a sociedade brasileira frear esses ímpetos conservadores e olhar para a construção de um futuro mais digno, íntegro, inclusivo, respeitoso. Em várias faixas desse álbum trago menções à liberdade criativa e críticas: “Vamos cantar / vamos sorrir / diga não à repressão” (Furto
de Energia)
; “O que é que deu neste cara / bicho mais truculento / ahhhh / eu não tenho medo” (Material Inédito); “Tantas formas de repressão / também são torturas” (A Cobrança).

O que você tem escutado atualmente?

Kassin – Guinga e Steve Arrington.

Frank – Paul Mauriart, Elvis Costello (Punch the Clock), Dexys Midnight Runners, T. Rex, Herb Alpert, Roger Eno, Virus (Argentina), Andrés Calamaro (AR), The High Llamas, Brian Wilson, Beach Boys, The Jam, Fernando Mendes, Johann Sebastian Bach / Bodji (de São Sebastião do Caí, morando um tempo em POA, estou produzindo seu primeiro álbum com 10 faixas), MGMT, The xx, Arlo Parks, The Supremes, Nick Cave and the Bad Seeds, Chico Buarque, trilha do Rock ’n’ Roll High School (Ramones e muito mais), Céu, Luana Carvalho, Tulipa Ruiz, The Cure, Devo, Human League, Kraftwerk, Os Mutantes, Rita Lee, Celly Campello, Quarto Sensorial.

Você está desenvolvendo outros projetos? Quais?

Kassin – Sim, vou lançar um EP que fiz com o Vovô Bebê (nome artístico do cantor, compositor e músico carioca Pedro Dias Carneiro) e estou fazendo um compacto com o Sean O’Hagan (cantor, compositor e arranjador irlandês, líder da banda The High Llamas).

Kassin e Frank Jorge. Foto: Vitória Proença/Divulgação
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