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Pâmela Amaro: “Estava cansada de ouvir canções sobre ‘negas’ que não têm nome”

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Pâmela Amaro: “Estava cansada de ouvir canções sobre ‘negas’ que não têm nome” Foto: Luis Ferreirah/Divulgação

A cantora porto-alegrense Pâmela Amaro lançou seu álbum de estreia, Samba às Avessas (Mundaréu/YB), na última quarta-feira (13/4). As 12 faixas – entre elas, nove composições da artista – apresentam reflexões sobre ancestralidade e os espaços ocupados pelas mulheres.

“Estava cansada de ouvir canções sobre ‘negas’ que não têm nome, tratadas como objeto e sem história. Se na realidade somos mães, avós, filhas, esposas, trabalhadoras, empresárias, deputadas, por que o cancioneiro insistiu por tanto tempo – e ainda insiste – em nos manter em uma narrativa comum de servilidade, vazia e totalmente estereotipada? A história já mudou”, observa a compositora, comentando a faixa Deixa que Eu Vou Te Contar, com participações da cantora carioca Maíra Freitasrelembre a entrevista – e da rapper paulista Yzalú:

Tu pode ser rainha, ser porta-bandeira
Tu pode ser passista na estação primeira
Sendo doutora, sendo engenheira, empresária 
Deputada, arquiteta, enfermeira
Tu pode ser a dona de qualquer parada
porque já nasceu ousada e passada 
Se a tua bisa já foi lavadeira, nega,
Tu merece massagem dentro da banheira

“Precisamos rever a forma como educamos a sociedade no tratamento para com as mulheres negras. Quando pego a caneta e me afirmo compositora, posso mudar as narrativas em cada canção, pois sou sujeito do texto. Se o samba tem origem africana e, historicamente, foi preservado por mulheres pretas, matriarcas como Tia Ciata, entre tantas, como desprezá-las?”, reflete Pâmela.

Enquanto o álbum era gestado, as trocas com outras artistas ganharam formato de uma série de lives mensais, realizadas entre outubro de 2021 e janeiro deste ano, intituladas No Avesso do Samba. “Busquei saber mais de produção musical, jongo, composição, samba, a história do povo negro no RS… Sabia que esses temas fariam parte do disco e aprofundei esses conhecimentos.”

As gravações de Samba às Avessas reuniram mais de 30 artistas – aproximadamente a metade composta por mulheres. “Tinha que ter mulher por tudo, porque o avesso é ver também pelo lado feminino e por sua complexidade”, comenta a cantora, que contou com a consultoria da sambista carioca Nilze Carvalho durante a elaboração do álbum.

Com patrocínio da Natura Musical por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do RS (Pró-Cultura) – e direção artística de Tiago Souza, o álbum reúne composições recentes e antigas de Pâmela, vinculadas a diferentes momentos da vida da compositora nos últimos oito anos: “namorando, rompendo, morando com a mãe, passando pela pandemia e pelos lutos da passagem do meu pai (2019) e do meu avô (2020) em sequência”.

Vitimado pela covid-19 aos 97 anos, o avô paterno de Pâmela, Tupan Quintal da Fontoura, é homenageado em Saudação a Tupan. “Não pude me despedir dele e fiquei apenas com a lembrança da última vez que estivemos juntos. Um amigo meu, Jorge Onifade, sabendo da minha tristeza, me mandou Saudação a Tupan num áudio cantado pela esposa, pois ele mesmo, de tão emocionado, não podia cantar. O áudio original da Carmem aparece no início da canção.”

A faixa tem a participação do Coral Tekoa Ywy Poty. “Fomos à aldeia Tekoa Ywy Poty [na Barra do Ribeiro (RS)] para que o meu avô recebesse um canto sagrado guarani. Dessa forma, pudemos também honrar a ancestralidade indígena das terras do sul”, conta a artista. A celebração de ancestralidades também ganha espaço em Oferenda / Canoa de Preto Velho / Bença – a primeira parte da canção, um poema de Oliveira Silveira, – e Vadeia / O sol chorou, com influências de sonoridades de origem africana.

“Estou experimentando traços de diversas referências culturais negras e desejei mostrar elementos da cultura negra gaúcha. Não poderia deixar de fora o maçambique, o sopapo e o batuque. Já o jongo, é uma paixão que tenho. Apesar de oriundo do sudeste do Brasil, dado o contexto de apagamento das nossas culturas africanas, me senti convocada a somar na difusão das origens do samba”, explica a cantora, que divide os arranjos de seu álbum de estreia com Max Garcia e Tuti Rodrigues.

Do quintal da Tia Joia aos palcos

Foto: Luis Ferreirah/Divulgação

As festas familiares no quintal da Tia Joia, em Viamão – homenageadas na faixa Antes de Nós – foram o berço musical de Pâmela. “Praticamente todo fim de semana tinha um batizado, um aniversário de 15 anos ou uma festa só pra juntar a ‘banda’ formada pelo meu pai e pelos meus tios”, recorda a artista.

“Meus tios me iniciaram no samba, me davam o microfone pra cantar e tocavam pra eu me apresentar com eles. Muitos já partiram, e senti que não podia deixar essa herança tão bonita morrer. Também percebi que era um jeito de me conectar com eles”, completa.

Além da música, o teatro faz parte da vida de Pâmela desde a infância. Aos 12 anos, cursou a primeira oficina cênica, buscando superar a timidez. “Eu fazia as pessoas rirem. Achei isso tão poderoso, que pensei: quero isso pra vida!” Mais tarde, participou de diversos espetáculos, graduou-se em Teatro e fez mestrado em Educação – ambos os cursos pela UFRGS – com a dissertação SARAR-SOPAPAR-AQUILOMBAR: O sarau como experiência educativa da comunidade negra em Porto Alegre.

Ao longo de seu percurso no teatro, percebeu que a música era o fio condutor do envolvimento em musicais, operetas e recitais. “A composição já acontecia desde a escola. Em trabalhos de criação, eu fazia paródias e peças, já criando as músicas. Mais tarde, andando com atores, músicos e compositores, também tocando em bares e rodas, mostrando minhas músicas, vi que a coisa estava ficando mais séria, pois me incentivavam a gravar.”

A trajetória artística de Pâmela também passa pelo Carnaval, inspirada no pai, Ximba Fontoura, que integrou a tribo carnavalesca Os Comanches. A cantora participou da batucada Turucutá experiência celebrada nos versos do samba A Caixa e o Tamborim, gravada no EP Veneno do Café – e, mais tarde, compôs a marchinha Lá Vem Gente, que passou a fazer parte do repertório do Bloco da Laje.

Integrante das Três Marias, Pâmela conta que a participação dela no grupo teve início nas oficinas de percussão para mulheres conduzidas pelo músico Paulo Romeu no Afrosul Odomodê. “Ali começou a história de tocar e cantar entre mulheres. Aprendi um pouco de conga, outros tambores, xequeré, pandeiros e tomei gosto pela percussão. Mais tarde, encontrei mais mulheres que tocavam, como a Gutcha Ramil. Ficamos amigas e passamos a tocar juntas em grupos femininos como o Tamanco no Samba.” Com Gutcha e Dessa Ferreira, formaram-se as Três Marias – que hoje reúne também Tamiris Duarte e Thayan Martins.

Na etapa que se inicia com Samba às Avessas, Pâmela acredita que conseguiu “trazer as africanidades sul-rio-grandenses para este trabalho” e espera que “o Brasil veja esse Rio Grande do Sul mais plural”. As primeiras apresentações do álbum estão previstas para o final de maio, em uma roda de samba para a comunidade do bairro Santa Cecília, em Viamão, e o dia 5 de junho, lançamento oficial, na quadra da Banda da Saldanha.

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