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Romulo Fróes revisita trajetória em “Agora É Minha Voz”

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Romulo Fróes revisita trajetória em “Agora É Minha Voz” Romulo Fróes. Reprodução: YouTube

Diante das paralisações da pandemia e com o apoio da Lei Aldir Blanc, o cantor e compositor Romulo Fróes apresenta desde março em seu canal no YouTube uma série de vídeos em que toca na íntegra, no formato voz e violão, seis destaques da sua discografia. Calado (2004), Cão (2006), No Chão sem o Chão (2009) e Um Labirinto em Cada Pé (2011) já estão no ar, e até o final de abril estreiam Barulho Feio (2014) e O Disco das Horas (2018).

“Conversando com Luan [Cardoso, diretor da série], decidimos tirar do estúdio e levar esse registro para a cidade, usando São Paulo, tão presente na minha música, como cenário dessas canções. Não apenas o espaço público, mas também e principalmente seus edifícios e sua arquitetura, tão característicos de sua paisagem”, explica Fróes – leia a entrevista a seguir. As locações dos vídeos incluem o edifício Copan, a Escola da Cidade e o ateliê do artista visual Nuno Ramos, parceiro de longa data do compositor.

Fróes já lançou oito discos solo, um álbum em parceria com o cantor e compositor César Lacerda (O Meu Nome É Qualquer Um, 2016) e ainda três discos como integrante do grupo Passo Torto, ao lado de Kiko Dinucci, Marcelo Cabral e Rodrigo Campos. Em paralelo à sua trajetória como cantor e compositor, Fróes atua na produção e direção musical de shows e discos de outros artistas, com destaque para as coproduções de Deus É Mulher (2018), de Elza Soares, e Besta Fera (2019), de Jards Macalé.

Nos vídeos de Agora É Minha Voz e na entrevista a seguir, Fróes comenta, entre outros assuntos, suas parcerias com Nuno Ramos, Eduardo Climachauska (Clima) e outros artistas e as aproximações com o samba e as artes visuais ao longo de sua trajetória.

Como surgiu a ideia do projeto Agora É Minha Voz?

O projeto foi idealizado por conta da lei emergencial Aldir Blanc, e na hora de elaborar uma proposta para ser inscrita, por conta da pandemia – que na época do anúncio do edital já havíamos entendido que não terminaria tão cedo –, ao invés de imaginar a criação e produção de um trabalho inédito, o que seria o mais natural para mim, mas que envolveria muito mais tempo e dedicação, além da participação de muito mais gente, o que se tornou inviável neste momento em nossas vidas, aproveitei para rever meu repertório e registar minha discografia solo, que neste ano completa 20 anos de produção, no formato voz e violão, primordial de minhas composições, que já vinha desenvolvendo nas diversas lives que apresentei ao longo de 2020 em meu perfil no Instagram.

Como foram escolhidas as locações das gravações e como foi explorar a linguagem audiovisual para essa retrospectiva?

Como foi definido que a parte musical seria apresentada apenas por mim, sem mais nenhum músico me acompanhando, resolvi investir no registro audiovisual do projeto e imediatamente pensei no Luan Cardoso, jovem cineasta que já há alguns anos vem registrando a cena musical de São Paulo, tornando-se um de seus principais documentaristas, e que pessoalmente é muito ligado na minha produção, que vem sendo registrada de perto por ele há bastante tempo. Conversando com Luan, decidimos tirar do estúdio e levar esse registro para a cidade, usando São Paulo, tão presente na minha música, como cenário dessas canções. Não apenas o espaço público, mas também e principalmente seus edifícios e sua arquitetura, tão característicos de sua paisagem.

No começo do vídeo de Calado (2004), você fala das parcerias com Clima e Nuno Ramos e de uma sonoridade mais próxima do samba – de um “samba menos luminoso”. Nos conta um pouco sobre essas parcerias e sobre a presença do samba na sua trajetória como compositor.

Fui assistente do Nuno por 16 anos e num breve hiato acabei trabalhando com o Clima, na época diretor de cinema, mas também artista plástico como Nuno, o que acabou nos aproximando. Quando começo a compor com o Clima, as letras que ele escrevia chamaram a atenção do Nuno, que passa também a compor comigo e surge então esse núcleo criativo tão importante pra mim, central no meu trabalho até hoje. Para além de nossa ligação com as artes plásticas, que desde sempre trouxe camadas de pensamento estranhas às nossas composições, nós três tínhamos muito interesse por obras de arte que identificávamos como menos luminosos, trabalhos de sentimentos mais rebaixados, estranhos, incomuns e que na música se encontrava muito bem representado nos sambas mais tristes, de cadência mais lenta, de autores como Batatinha, Paulinho da Viola, Zé Keti, mas sobretudo e acima de todos, Nelson Cavaquinho e seu imaginário trágico em torno da morte. Para além dessa nossa identificação conjunta, de minha parte sempre houve um desejo de contribuir para a renovação da canção brasileira, de botar ela pra andar, e no meu entendimento isso só seria possível através do samba.

No episódio seguinte você comenta que, embora próximo de Calado, Cão (2006) soma outras sonoridades e parcerias. Você fala de “atrapalhar o samba” e de parar de pensar “canção sem som”. Poderia nos contar um pouco mais sobre esse insight?

Este não é um insight meu, mas caraterística da geração de artistas à qual estou inserido. Uma geração que desenvolveu suas carreiras fora da indústria fonográfica, que teve acesso às tecnologias de gravação e que desenvolveu um interesse genuíno pela produção musical, tornando os procedimentos técnicos uma ferramenta de criação tão ou mais importante que as formas puramente musicais como melodia, harmonia, ritmo etc. No meu desejo de renovar a canção brasileira, ficou claro a partir de Cão que eu deveria incluir cada vez mais esse pensamento sonoro nas minhas composições.

Nesse mesmo vídeo, você fala sobre a figura do cão e referências de outras linguagens artísticas, como as gravuras de Oswaldo Goeldi. Nos conta um pouco mais sobre esse imaginário e de que forma ele dialoga com as tuas composições.

Acho que o cão que figura no imaginário das nossas canções é o vira-lata de rua, pleno de sua liberdade e rebeldia, e que na minha cabeça funcionaria como uma perfeita analogia para a minha música. Além disso, não por acaso a figura do cão acabou entrando com certa frequência nas letras do Clima e do Nuno, chegando mesmo a dar nome ao meu segundo disco, porque ela já frequentava os trabalhos de artes plásticas de ambos. As fotos dos cachorros da capa e encarte de Cão, por exemplo, são de uma série fotográfica do Clima que se chama Agosto, conhecido como o mês do cachorro louco e que também é o título de uma composição do Clima, que abre Calado, meu primeiro disco – e que nada mais é que uma polifonia instrumental composta por cuícas imitando diferentes sons de latidos de cachorros, o que a aproxima mais de um pensamento plástico, visual, do que um pensamento musical. A figura do cão também figura em trabalhos de artistas muito caros a nós três, como os cachorros que vagam pelas ruas molhadas depois da chuva nas gravuras do Goeldi ou o cachorro esquálido, quase que se desfazendo, do [Alberto] Giacometti.

No vídeo de No Chão sem o Chão (2009), você comenta que começou a pensar em viver de música, para além do seu trabalho autoral, fazendo também a produção de álbuns de outros artistas. Mais de dez anos depois, como você enxerga atualmente a sua atuação? De que forma os trabalhos autorais e a produção artística convivem na sua rotina?

Como digo no episódio, com No Chão sem o Chão, de longe meu disco de maior sucesso, percebi que este “sucesso” não teria mais a dimensão que teve antes para os artistas da chamada MPB, pra falar de um gênero no qual eu poderia estar inserido. Não seria mais possível viver de um trabalho estritamente autoral dentro de um cenário em que a indústria fonográfica estava fechada pra artistas como eu – e a pulverização dos trabalhos artísticos, por conta da internet, alcançou níveis jamais imaginados anteriormente.

Como não sou um grande instrumentista para seguir a carreira de músico acompanhante de outros artistas, entendi que eu poderia viver de música autoral primeiro como compositor, mas principalmente, como diretor artístico de discos de outros artistas, e foi este caminho por onde segui. A produção de discos se tornou a minha principal fonte de renda, para além de ampliar minha voz autoral em trabalhos de artistas os mais diversos, porque minha direção não exclui meu pensamento sobre canção e a própria música brasileira. Pelo contrário, a depender de qual artista esteja dirigindo, posso ainda levar essa voz a alcançar uma audiência muito maior do que aquela que eu alcançaria com minha discografia pessoal. Os casos mais emblemáticos do que tento explicar aqui, são as direções que fiz para os discos de Elza Soares e Jards Macalé.

Por fim, o vídeo da série Agora É Minha Voz publicado mais recentemente apresenta  Um Labirinto em Cada Pé, que completa 10 anos em 2021. Nos conta um pouco sobre o lugar que esse álbum ocupa na sua trajetória.

Como também comento no episódio, dizia na época de seu lançamento que Um Labirinto em Cada Pé era meu disco mais maduro e o mais formatado, mesmo correndo o risco do que essa definição pode carregar. Eu dizia isso porque vinha de três discos anteriores em que primeiro fui identificado apressadamente como um sambista, o que definitivamente não sou, e um pouco tentei responder a isso com meu segundo disco, ampliando um pouco mais o meu repertório, coisa que definitivamente só consegui com meu terceiro lançamento, um álbum duplo com 33 faixas, onde procurei destruir todo e qualquer rótulo que tentavam colar em mim.

Por conta de todo este trajeto inicial, Um Labirinto em Cada Pé foi recebido pelo público, mas sobretudo pela crítica, com bem menos formulações pré-concebidas, pois já não era mais necessário entender ou traduzir minha música. Acho que o disco traduz também uma certa falta de ansiedade em querer me mostrar como um artista relevante, como acontecera nos discos anteriores, e por isso tudo, eu achava até aquele momento, o meu disco mais maduro.

Os últimos dois vídeos do projeto Agora É Minha Voz estreiam no canal de Romulo Fróes no YouTube nos dias 20 (Barulho Feio) e 29 de abril (O Disco das Horas).

Ouça também os álbuns do grupo Passo Torto, a parceria de Fróes com César Lacerda e o disco Rei Vadio (2016), em homenagem a Nelson Cavaquinho.

E para mergulhar nas reflexões musicais de Romulo Fróes, confira a série de vídeos A Música Popular Brasileira no Século 21, que celebra os 10 anos da Rádio Batuta.

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