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Pingue-pongue com Pedro Pastoriz

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Pingue-pongue com Pedro Pastoriz Pedro Pastoriz. Foto: Tuane Eggers

Gaúcho radicado em São Paulo, o cantor e compositor Pedro Pastoriz anunciou na semana passada que estava deixando a banda Mustache e os Apaches, integrada por ele desde 2011. Agora, Pastoriz passa a se dedicar totalmente à carreira solo, com três discos lançados desde 2015, incluindo o recente Pingue-Pongue com o Abismo, pelo selo Risco.

“Estava sentindo uma distância que foi aumentando entre os dois projetos, e não estava conseguindo criar, propor, desenvolver coisas legais nos dois. Então decidi sair. Foi difícil, por que são dez anos de dedicação, mas foi um sonho que se materializou, foi um período bom. Eles seguem, e torço por eles”, conta o músico em entrevista (leia a seguir). 

Segundo o diretor artístico do álbum e jornalista Alexandre Matias, Pingue-Pongue com o Abismo “desbrava fronteiras conceituais e invade outros territórios narrativos, como a poesia, a publicidade, o teatro, a comunicação institucional, a auto-ajuda, o jingle, o rap, o esquete de comédia e outras possíveis formas de texto musicado que [Pastoriz] nunca havia cogitado em seus discos anteriores, num disco influenciado por outras disciplinas, por acontecimentos pessoais e seu próprio subconsciente”.

Confira a entrevista com Pedro Pastoriz.

O que você leva do percurso com a Mustache e os Apaches para essa nova fase?

Muitas histórias boas de shows, viagens, coisas que vivemos juntos pela primeira vez. A interação com o público tocando na rua, principalmente no início da banda, e essa época inicial de experimentar, passar o dia com o instrumento, é uma coisa que me vem muito. 

Em paralelo à Mustache, antes do álbum mais recente, você lançou 1 e Projeções. Como você enxerga hoje essas primeiras experiências solo?

No caso do 1, gravei por convite do parceiro Arthur Joly, nessa proposta de gravar um disco em único take direto no vinil, quer dizer, o disco é resultado de uma única performance ao vivo, sem pausas. Lembro da felicidade de já sair do estúdio com o disco debaixo do braço. Foi tipo uma polaroide mesmo, como é a arte da capa. Fiquei satisfeito com o resultado, era a primeira vez que me ouvi gravado. Quando escuto aquelas músicas sinto que é algo bem espontâneo, corajoso. E gosto, me vejo ali. 

No caso do Projeções tivemos um pouco mais de tempo, mas entre gravação e disco pronto, o processo foi de duas semanas. Gosto muito do resultado, e a banda do Projeções, com o Tim Bernardes, André Vac e Arthur Decloedt, era um baita time, nos entendíamos bem, com um senso de humor próximo.

No caso do Pingue-Pongue com o Abismo, tive mais tempo para escolher as músicas, acho que consegui temperar melhor o disco, tinha mais repertório. Charles Tixier e Arthur Decloedt são os músicos e produtores do álbum. Foi um processo bem coletivo de escolha do repertório, ideias na mix, e tudo mais, tem muito deles nesse trabalho. E vejo coisas em comum nos três. 

Ainda sobre Pingue-Pongue com o Abismo, como foi a concepção do álbum e quais sonoridades você buscou?

A cara desse disco apareceu ainda na turnê do Projeções, em um momento que a banda já era um trio, com Arthur e Charles. Fomos convidados a fazer um show no CCSP em São Paulo e queríamos mostrar algumas ideias novas. Então o Charles trouxe o mpc pros ensaios, que é um instrumento que ele usa bastante nos shows com a Luiza Lian. Achei que a mistura entre essa bateria eletrônica, do jeito orgânico que o Charles toca, em que todas as notas são tocadas em tempo real, com o violão e o baixo do Arthur, deu um tempero interessante. E daí seguimos por mais alguns shows com essa formação. Quando estávamos levantando o repertório, tocando um pouco de todas as músicas que tinha feito no período, reparamos que podíamos achar elementos em comum para quase todas as músicas, e entrou algumas referências de música instrumental como o Plantasia (1976), do Mott Garson, Exotica (1956), do Martin Denny, e outros álbuns de música instrumental. No mais não buscamos parecer com nada, só tocamos as músicas com o que elas pediam mesmo, criando paisagens para as histórias, dentro daquela escolha inicial com mpc, violão, baixo e sintetizadores.

Chama atenção no álbum a presença da oralidade, em versos mais falados/declamados, com um olhar atento ao cotidiano, remetendo a compositores como Maurício Pereira. Nos conta um pouco sobre como é o seu processo como letrista e compositor.

Algumas ideias de música nesse disco vieram em sonho. No caso de Teatro Replay, eu li um texto curtinho do Freud, o Recordar, Repetir, Elaborar, e não senti que tinha pescado muito bem, mas tava pensando bastante sobre a ideia de repetição de comportamento, nostalgia, vícios, dificuldades de superar algumas paradas. E uma noite sonhei que me era oferecido esse serviço, de um teatro onde tu podia levar tuas memórias e assistir a elas novamente, reencenadas. “Nós somos da assessoria em memórias dramáticas Replay / Um novo caminho para acessar suas próprias memórias Replay / Você traz uma memória e nós reencenamos pra você”. Gostei desse caminho nas letras, de compor a partir de um desdobramento de uma experiência, alguma coisa que veio para mim, se modificou e achei interessante em contar.

E tem histórias bem variadas no disco, algumas foram como uma casa de passarinho mesmo, veio uma palavra de lá, uma paisagem de cá, pintou um sentimento e criei a partir da combinação dessas coisas. Mas as músicas vieram de lugares diferentes. Eu fiz uma turnê de shows teste enquanto gravava, para experimentar as músicas, ver como funcionavam ao vivo. E um dia eu tocava em Sorocaba em um lugar chamado Deaf Haus. Comecei a tocar essa música, o Boogaloo, e faltou luz. Fui no instinto total, para não deixar o show parar, e pintou aquela brincadeira de repetição com o público. Já tinha um rascunho na cabeça, mas foi nesse show que a parada rolou. Eu falava uma palavra e o público repetia batendo palma, uma coisa meio de escoteiro. E daí essas coisas absurdas pintaram, todo mundo riu bastante, e por sorte a luz não demorou a voltar. Mas a ideia geral do verso veio nesse improviso. “Napoleão / foi ao Egito / que já existia / ainda assim / ele inventou / a egiptologia, etc.”.

Falando em versos declamados, o título do álbum faz referência ao poema Uivo, de Allen Ginsberg. De que forma esse fragmento entrou no processo de criação do disco?

Quando comecei a juntar essas músicas, reencontrei um livro que descobri na adolescência, o De Repente Acidentes do Carl Solomon. Li esse livro algumas vezes e andava com ele debaixo do braço em Porto Alegre, um pouco antes de vir morar em São Paulo. A vida continuou, dei falta do livro em 2018. Achei e li de novo, não senti a mesma coisa, mas fui lembrando de algumas ideias, prédios, conversas, pessoas. Nessa coisa de um objeto transportar para outro período, um replay da vida. Na metade do livro recebi a ligação de que precisaria ir imediatamente para Porto Alegre, minha mãe tinha falecido. Peguei o primeiro avião e percebi essa repetição quando cheguei por lá, de novo com o De Repente Acidentes debaixo do braço, caminhando em Porto Alegre. Muita coisa aconteceu depois disso até que o disco fosse lançado durante a pandemia, mas ficou claro que o nome seria Pingue-Pongue com o Abismo.

No poema Uivo, que o Allen Ginsberg dedica ao Carl Solomon, ele diz: “Estou contigo em Rockland / Onde você grita numa camisa-de-força que está perdendo o jogo do verdadeiro pingue-pongue com o abismo”. E o Carl Solomon é um cara importante no movimento Beat, influenciou bastante os parceiros mais reconhecidos, e era uma figura folclórica, cheia de histórias. Dizem que ele queimou dinheiro em um protesto em Wall Street, atirou purê em palestrantes que falavam sobre Dadaísmo em Harvard, entre outros happenings do tipo.

Nos conta mais sobre as parcerias com Fausto Fawcett e Lydia Del Picchia. Quem toca com você no disco?

A banda é formada pelos músicos e produtores, Charles Tixier e Arthur Decloedt. E o disco tem as colaborações do Fausto Fawcett na música Faroeste Dançante, que fizemos juntos, e a Lydia Del Picchia na música Lydia Réplica. O Tomás Oliveira participa na faixa Fricção, tocando um instrumento que ele mesmo criou, a harpa de vidro. 

Você tem gravado os vídeos do Comitê, nos quais você mistura reflexões sobre música e outros com temas com mini-esquetes em que surgem personagens como o Ralf. Como surgiu a ideia de criar esses vídeos e de que forma o humor e uma linguagem mais teatral se relacionam com a tua dedicação à música?

O caso do Ralf é que geralmente me perguntavam do porquê eu usava meu nome real nesse projeto solo, sendo que alguns cantores e artistas criam uma persona para subir no palco, como Bob Dylan, Andy Warhol, entre outros. O Ralf é a criação de uma persona para fora do palco, durante o dia. Ele lê meus e-mails, toma banho, adora os animaizinhos, come frutas, esse tipo de coisa. Ele é bom, não desanima, um ótimo cara. 

E a ideia dessas esquetes não sei muito bem de onde veio, em algum momento descobri como editar vídeos curtos no celular, e fiquei viciado, comecei usando para divulgar shows, e de repente fazia por fazer, e tava sempre nesse modo de filmar e criar uma história. E acho engraçado que todo mundo compra a ideia quando tu diz: “Estou rodando um filme, você pode me ajudar?”. Lembro de estar numa festa em Ponta Grossa (PR) e tive a ideia de criar um minifilme sobre um assaltante de carros que entrava numa festa, perdia sua comanda e tinha que pagar uma fortuna. E fui filmando, pedi o carro de um desconhecido emprestado e na mesma hora a pessoa pediu para filmar, deu ideias, uma coisa maluca assim. 

Bom, daí fazia os vídeos e colocava na internet mesmo, os amigos gostaram, sugeriam assuntos, pediam pra ser uma coisa semanal. Mas eu não conseguia manter uma regularidade. Eis que chega a pandemia, e daí tirei o projeto da gaveta, tinha mais tempo pra pensar nisso, e tô gostando bastante de manter meus pensamentos nisso, em fazer essas mini esquetes, misturadas com histórias em stop motion, versões caseiras das minhas músicas. Foi a maneira que encontrei de manter esse encontro com quem acompanha o trabalho. São shows online.  

Nessa série de shows teste que fiz durante as gravações do disco, “Esse show é um teste”, a idéia era experimentar bastante, pensando em como entrar e sair do palco, no que fazer entre as músicas. E ali encontrei bastante material, contava várias histórias, tinha uma interação bem espontânea com o público, um clima de festa em casa, e acho que algumas coisas do Comitê vieram daí. 

Por fim, como você tem vivido a pandemia e, dentro das limitações atuais, o que você está planejando para os próximos meses?

Esse programa quinzenal segue nas minhas redes sociais, o Comitê. Eu tenho feito algumas conversas no formato live, uma espécie 138, lembra? De repente alguém entra na conversa, faz pedido, conta história, e por aí vai. Chama Linha Cruzada. Também participei de algumas lives que foram legais, aqui de casa, e outras vão rolar até o fim do ano. Espero que shows presenciais aconteçam ainda neste ano, estou com saudade de encontrar as pessoas e tocar ao vivo.

Capa de Pingue-Pongue com o Abismo, de Pedro Pastoriz. Foto: Divulgação

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