Soul experimental para ressignificar sentimentos
A trajetória do músico e produtor Felipe Puperi ganha um novo capítulo com o lançamento de Inteiro Metade, mais recente trabalho solo do projeto Tagua Tagua. Vocalista da banda Wannabe Jalva por sete anos, Puperi já havia lançado os EPs Tombamento Inevitável (2017) e Pedaço Vivo (2018). Na última sexta, o primeiro álbum do projeto ganhou as redes, viabilizado pelo Natura Musical, por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Rio Grande do Sul (Pró-Cultura).
Com nove músicas, o disco mergulha entre timbres eletrônicos e orgânicos e foi concebido em parceria com o selo Costa Futuro, dirigido pelo chileno, radicado em Barcelona, Sebastian Ruiz-Tagle: “A música de Tagua Tagua explora diversos terrenos. Está em contato com a tradição da música popular brasileira, surgem peças de Jorge Ben, Gilberto Gil e samba tradicional, mas, ao mesmo tempo, se projeta fortemente no futuro, exibindo sons atuais e universais”.
Confira a entrevista.
Qual sonoridade você buscou em Inteiro Metade e como você percebe o disco em relação aos EPs Tombamento Inevitável e Pedaço Vivo?
Eu fui mais pro lado soul / R’n’B / experimental / psicodélico no Inteiro Metade. Minha ideia era que ele fosse um disco mais “sexy”, mas isso acabou não acontecendo, virou o que virou. Acho que comparado com os trabalhos anteriores ele soa menos afro e percussivo, como é o Tombamento Inevitavel, e menos eletrônico, como o Pedaço Vivo.
O produtor Sebastian Ruiz-Tagle observa que percebe conexões de Inteiro Metade com a sonoridade de nomes da música brasileira como Jorge Ben, ainda que num contexto mais atual. Percorrendo outros terrenos, você já falou sobre a influência da soul music dos anos 1960 e 1970 no álbum. Como você vê essas sobreposições de tempos e tradições no teu trabalho?
Costumo misturar as influências todas, desde os livros até os filmes, passando pelas músicas e artistas. Escuto muitas coisas lá de trás, talvez pelo gosto da sonoridade mais empoeirada, gravações antigas cheias de características. Mas também procuro misturar isso com uma sonoridade contemporânea, quero criar algo diferente e próprio, algo que tenha a minha cara mesmo.
De que forma os elementos eletrônicos se articulam com letras e instrumentos no teu processo de composição?
Isso varia bastante. Eu já experimentei usar mais elementos eletrônicos em outros tempos, o EP Pedaço Vivo, por exemplo, é cheio deles, as músicas tem beats somados às baterias gravadas, samples e outros elementos. Já no Inteiro Metade fui menos para esse lado, o disco é super orgânico, todas as músicas são gravadas com instrumentos reais, a única que é baseada em samples – mas ainda assim criados a partir de instrumentos orgânicos – é a faixa Sopro.
Nos conta um pouco sobre as capas do álbum e dos singles, assinadas pelo designer João Lauro Fonte. Qual foi a estética que vocês buscaram?
A gente buscou o conceito de condensar várias emoções e sentimentos num mesmo universo. O disco fala do processo de ressignificação de um relacionamento, então isso é retratado com diferentes texturas, linguagens e climas. Queria que as artes acompanhassem de alguma maneira. Elas tem cores vivas, mas também sóbrias, tem introspecção e alegria, diferentes estéticas e estilos misturados.
Como a pandemia impactou/está impactando o lançamento do álbum? Quais os teus planos a médio prazo para o disco?
A pandemia impactou bastante no princípio, tivemos que mudar todas as datas de lançamento e cancelar cerca de 10 shows que estavam engatilhados. Com isso fomos nos acostumando com a ideia e replanejando tudo, os singles ganharam mais espaço e mais importância. Nosso plano é conseguir rodar pelo Brasil e mundo em 2021 apresentando esse trabalho, levando essas músicas para o ao vivo e trocando com as pessoas. Estamos já planejando algumas coisas.
Inteiro Metade fala de ressignificações de relações e dos sentimentos que envolve esses processos. Essa temática acaba se relacionando muito com o período recente de isolamento social e com o estágio atual, em que se ensaia, ainda que de forma errática e incerta, uma saída dessa experiência. De que forma você espera que o álbum chegue às pessoas que estão vivendo esse momento?
Acho legal que o álbum caminhe por esses diferentes significados, que cada pessoa faça as suas conexões, encaixe dentro da sua vida e do seu momento. Essa é a magia da música. Ela é letra, mas também é melodia, harmonia, textura, sensação, sentimento, tudo misturado e andando junto. Quando lancei os primeiros singles muita gente achou que eu falava da pandemia, por que de certo modo todos estavam passando por uma nova experiência, ressignificando muitas coisas.