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Uma mulher quer mudar a Grafar

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Uma mulher quer mudar a Grafar Caneca com arte de Samanta Flôor. Foto: Kika Freitas

O Rio Grande do Sul é um celeiro de cartunistas. Figuras como Edgar Vasques, Eugênio Neves e Santiago – que ganhou o prêmio do jornal japonês Yomiuri, considerado o Oscar dos cartuns – são hoje um patrimônio vivo da história de Porto Alegre. Desde 1989, a parceria está “institucionalizada” na Grafistas Associados do Rio Grande do Sul, a Grafar – o uso das aspas é proposital porque sua única sede sempre foi a mesa de bar. “Sabe como é artista. Se para administrar a própria carreira já é difícil, imagine administrar uma instituição”, explica o cartunista e professor Bruno Ortiz, que estudou a Grafar em sua dissertação de mestrado.

Mas isso está mudando pelas mãos – veja só – de uma empresária parceira da associação. Apesar do ambiente majoritariamente masculino, diz Ortiz, as mulheres que fizeram parte da história da Grafar deixaram suas marcas. Agora Kika Freitas quer mudar de vez o perfil discreto do grupo e assumiu um trabalho hercúleo: convencer um bando de “velhos surdos”, como ela mesma chama os amigos do grupo, a entrarem no século 21. “Eu sou a primeira a bater de frente e dizer que o pessoal da Grafar tem que se vender. Para mim, é muito ofensivo ver pessoas extremamente talentosas e ao mesmo tempo ver o mercado se fechando. Esses caras não vão ter para onde ir! Grande parte do pessoal que trabalha com animação está tendo que ir para São Paulo”, desabafa Kika. Ortiz concorda: “Ela está nos ajudando a pensar como a Grafar pode divulgar o seu trabalho, participa das reuniões e orienta a parte do marketing e da publicização da entidade”. 

A primeira missão de Kika foi concluída com louvor no ano passado, com a criação do perfil @grafarhq no Instagram. “Criei as redes sociais e dei um pequeno curso para que eles aprendessem a mexer. Mas eles que administram a página”, ela explica. Depois, Kika, que é formada em Moda, criou uma empresa e começou a produzir e vender xícaras com reproduções de ilustradores gaúchos da Grafar. 

As primeiras a mandar suas ilustrações, segundo ela, foram as mulheres. “As gurias são muito mais antenadas em comércio que guris, isso é muito nítido. A Samanta Flôor começou a fazer tatuagem para ampliar seu trabalho. A Pomba foi a primeira que investiu em fazer ímãs e adesivos para vender, saindo daquele lugar-comum de ter um desenho que vai ter que ser emoldurado e colocado na parede”, explica.

Ao mesmo tempo, Kika percebe que as mulheres são muito mais sobrecarregadas que os homens. “Tem muito mais responsabilidades que recaem sobre as mulheres. Eu vi muitas largarem a ilustração porque não estavam dando conta de conciliar com as outras áreas das suas vidas, como estudo e filhos”, lamenta.

A falta de tempo para o desenho é uma das dificuldades enfrentadas por Cláudia Borini, 36 anos, que já teve ilustrações publicadas nas antologias Edição de Risco 3 e Sem Trégua. Conhecida como Pomba, ela é professora em uma escola pública de Porto Alegre, dá aulas particulares de português e faz trabalhos esporádicos para o cinema. No tempo que sobra, produz ilustrações de mulheres nada convencionais. “Gosto muito de desenhar mulheres que fujam desse padrão social da delicadeza, da beleza. Meu desenho é como se fosse uma versão Bukowski de mulheres, mais boêmias, escrachadas, com um sentido mais libertário”, conta Pomba.

Ela concorda que as mulheres são minoria na área de ilustração, mas acredita que isso está mudando. “Estão surgindo grupos só de mulheres que estão se fortalecendo. Eu participei de um curso de desenho animado em 2018 e fiquei muito feliz de ver que a maioria dos alunos era mulher. Acho que as gurias estão dando a cara a tapa”, comemora. 

Ainda é muito cedo para saber se a iniciativa para divulgar os traços dos artistas da Grafar em xícaras vai vingar, mas alguns artistas já estão tendo retorno – um reforço financeiro bem-vindo em meio à crise do coronavírus. “O simples fato de eles estarem indo para outros campos já os coloca em contato com um novo público. Isso já é uma possibilidade de ver mais retorno em tempos de crise”, comemora. 

Apesar de ser extremamente apegada ao grupo, Kika quer romper essa bolha e dar visibilidade também a outros artistas gaúchos. “Tem muita gente das artes que não é da Grafar que desenha, faz colagens, tem ideias brilhantes. Quando eu fazia algumas exposições, era muito comum as pessoas irem atrás da obra de um ilustrador e acabarem descobrindo outros artistas incríveis. Eu realmente acredito na força do coletivo”.

Caneca com arte de Leandro Hals. Foto: Kika Freitas

Confira também a entrevista com a cartunista Bruna Maia, autora de Parece que Piorou.

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