Reportagens | Teatro

Frida,‌ ‌poesia‌ ‌e‌ ‌protocolo‌ ‌sexual‌ ‌pandêmico‌

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Frida,‌ ‌poesia‌ ‌e‌ ‌protocolo‌ ‌sexual‌ ‌pandêmico‌ Foto: Adriana Marchiori

A edição 2021 do Porto Verão Alegre termina na próxima terça-feira (22/6). Totalmente online, o festival marca presença com sua tradicional pluralidade de atrações, entre as quais se destacam montagens com protagonismo feminino em temáticas, textos, direções e atuações. Três delas entram em cartaz a partir desta sexta-feira (18/6): Protocolo Sexual Pandêmico, A Espessura da Vida e Frida Kahlo, à Revolução!, cujos detalhes você fica sabendo abaixo.

“Protocolo Sexual Pandêmico”: do confinamento em Torres para as redes e os palcos

Angela Dippe. Foto: Illan Suarez

Em março de 2020, a atriz Angela Dippe foi visitar a mãe em Torres, com planos de passar uma semana no litoral gaúcho. Veio a pandemia, e a temporada acabou se alongando por seis meses. Durante o confinamento, Dippe participou de uma live em que conheceu o produtor San Lopez, quem lhe sugeriu criar um stand-up abordando hábitos sexuais e outras questões relacionadas ao isolamento social.

Inicialmente usando um salão de beleza em Torres como estúdio improvisado, Dippe começou a gravar vídeos que exploravam, com bom humor, questões comportamentais que vieram à tona durante a pandemia. “Longe dos meus colegas, da cidade onde moro há 40 anos, e perto da minha mãe idosa, a criação de vídeos curtos para o Instagram foi uma forma de driblar essa situação toda”, conta a atriz.

As reflexões desenvolvidas desde então deram origem ao espetáculo Protocolo Sexual Pandêmico, que estreia nesta sexta-feira (18/6) e segue em cartaz até domingo (20/6) no Porto Verão Alegre. Relacionamentos, sexo, etarismo, higiene, manias e consumo, atravessados pela pandemia, são alguns dos tópicos encenados no stand-up. Outro tema abordado é o “pijamismo”, termo cunhado pelo jornalista Gilberto Mendula, em coluna no Estadão, que na visão de Dippe se trata de “um movimento que começou dentro de casa, da sala pro quarto, do quarto pra sala, e ganhou as ruas”, nas modalidades indoor e outdoor.

Antes do Protocolo Sexual Pandêmico ganhar forma, Dippe participou de um vídeo que se popularizou no Twitter. Em abril de 2020, a atriz que interpretou a personagem Penélope no Castelo Rá-Tim-Bum, exibido na TV Cultura na década de 1990, deu recomendações para evitar o contágio por Covid-19, ao lado de ex-colegas do programa. “O humor é um meio de falar grandes verdades, conscientizar de uma forma não é panfletária”, analisa a atriz. “Os artistas acabaram virando ativistas, nem falo de esquerda e direita, mas de vida e morte, civilização e barbárie”, completa.

“A Espessura da Vida”: encontro de linguagens

Nora Prado (esquerda) e Deborah Finocchiaro (direita). Foto: Roberta Amaral

A leitura de A Espessura da Vida (Farol 3), livro de estreia de Nora Prado, publicado em 2017, despertou na atriz Deborah Finocchiaro o desejo de levar os poemas de sua amiga atriz e escritora aos palcos. Ao longo das primeiras versões do espetáculo, a poesia de Prado esteve acompanhada de textos dos poetas Carlos Drummond de Andrade e Mario Quintana e do músico João Maldonado.

Para o Porto Verão Alegre 2021, a dupla de atrizes apresenta-se com o maestro uruguaio Pablo Trindade ao piano. No lugar de Quintana e Drummond, o espetáculo A Espessura da Vidaem cartaz de 20 a 22 de junho, – reúne, além de poemas da obra homônima de Prado, textos de seu novo livro, Alma das Flores, que será lançado em 26 de junho pela editora Bestiário. “Creio que alcançamos uma unidade poética muito interessante na montagem, com poemas que falam diretamente do momento social, político e econômico pelo qual estamos passando, sem deixar de lado a nostalgia, o lirismo e a esperança contida na essência da minha escrita”, descreve a autora.

Outra novidade do espetáculo é a projetação de imagens da artista Zoravia Bettiol, mãe de Prado, que compõem a ambiência das leituras, gravadas no Centro Histórico-Cultural Santa Casa. A mescla de linguagens é uma estratégia criativa que Finocchiaro vem desenvolvendo nas últimas décadas. “Misturar música com a musicalidade da palavra, contando histórias, me atrai demais. Extrair o máximo dos textos para levar o espectador-ouvinte àqueles lugares, criando imagens através dos sons, tem sido uma marca dos meus trabalhos em parceria”, explica a atriz.

Finocchiaro aponta como momento determinante do seu interesse pela poesia falada o projeto Sexta em Verso, de 2004, no qual ela e o poeta Mario Pirata recebiam convidados no antigo Centro Cultural Erico Verissimo, unindo música e poesia. “Como sair da declamação e dizer a poesia? Tornar acessível, compreensível ao espectador e ouvinte?”, indaga Finocchiaro, concluindo que “precisamos, mais do que nunca, nos comunicar”.

Mais recentemente, desde 2018, ao lado de Roger Lerina e do artista Alexandre Carvalho, Finocchiaro desenvolve proposta multilinguagem semelhante no Sarau Voador – Literatura e Improvisos Transcriados, evento que também integra a programação do Porto Verão Alegre 2021, de 16 a 18 de junho, em edição especial que tem como convidado o cantor e compositor Nei Lisboa.

“Frida Kahlo, à Revolução!”: mítica, humana, atual

Juçara Gaspar. Foto: Lucca Curtolo

Após as estreias de Protocolo Sexual Pandêmico e A Espessura da Vida, a trinca de montagens centradas em atuações femininas se completa com uma produção longeva – um exercício de oficina teatral que se tornou esquete em 2008 e espetáculo em 2009, criado pela atriz Juçara Gaspar e dirigido pelo ator e dramaturgo Daniel Colin. Frida Kahlo, à Revolução! narra a vida da artista mexicana Frida Kahlo (1907-1954) a partir de diários e correspondências. A música da peça é de Luciano Alves e a cenografia é assinada por Lara Coletti.

Gaspar, que interpreta Frida na montagem, embarga a voz ao relembrar as gravações do espetáculo no Theatro São Pedro para o Porto Verão Alegre, que exibe a peça de 20 a 22 de junho. “Nem posso descrever em palavras a emoção de pisar novamente no madeirame do São Pedro, receber a nossa trilha, sentir esse retorno, num lugar incrível, com todo o aparato técnico necessário para desenvolver o trabalho”, recorda.

“Gostaria de não precisar falar isso, mas os tempos nos dizem todos os dias que é importante que nós, mulheres, estejamos no centro de nossas narrativas, nos acolhendo e nos empoderando, inspiradas e fortalecidas por aquelas que vieram antes”, analisa a atriz e idealizadora do espetáculo. Na mesma linha, o diretor Daniel Colin ressalta as intersecções identitárias de Frida: “Num século em que a hegemonia sempre foi de homens cis, brancos, europeus, ter uma mulher bissexual, com deficiência, latino-americana cavando esse espaço é algo de extrema importância”.

Colin menciona também a preocupação em encenar diferentes nuances de Frida, da energia revolucionária à fragilidade imposta por dores crônicas desde a infância – a artista foi diagnosticada com poliomielite aos seis anos – e pelo atropelamento que sofreu aos 18. “Queríamos mostrar para o público em geral perspectivas que normalmente não são apresentadas, e nisso a entrega da Juçara foi fundamental, no sentido de humanizar essa personagem mítica”, explica o diretor.

A atualidade de Frida é uma das razões centrais para a longevidade do espetáculo, encenado há mais de uma década. “Mesmo em outro tempo e espaço, Frida se conecta muito com o que temos vivido no Brasil nos últimos anos. Sempre reforçamos essa ideia de uma mulher revolucionária dentro de um país machista e misógino como o México, e a Juçara faz questão de criar essa ponte com o feminismo no Brasil e na América Latina”, observa Colin.

A política ganha espaço na fala da equipe não só devido à pesquisa em torno de Frida Kahlo, mas também por conta de dores recentes deixadas pelo caos político-sanitário brasileiro. A iluminadora Carol Zimmer perdeu o pai para a Covid-19 em maio de 2021, Daniel Colin há poucas semanas se despediu da mãe, também vítima do novo coronavírus. Na leitura de Juçara Gaspar sobre esse momento de retorno aos palcos – que embora realizado com total segurança, se dá em meio a milhares de mortes por uma doença para a qual já há vacina –, “estamos sofrendo não só de imunidade baixa, mas de impunidade alta nesse país”.

Confira a programação completa do Porto Verão Alegre 2021.

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