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Espetáculo “Prédios Espelhados Matam Passarinhos” reflete sobre o universo do trabalho

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Espetáculo “Prédios Espelhados Matam Passarinhos” reflete sobre o universo do trabalho Foto: Julio Appel

O espetáculo Prédios Espelhados Matam Passarinhos volta a ser apresentado pelo GRUPOJOGO no Teatro do Centro Histórico-Cultural Santa Casa, nos dias 22 e 23 de abril, às 20h. Em formato híbrido, mesclando peça presencial e transmissão online, a peça tem direção de Alexandre Dill e dramaturgia de Gabriel Pontes.

“O espetáculo apresenta narrativas episódicas com diferentes personagens. Cada história é de alguma forma atravessada pelo contexto do mercado de trabalho. Esse universo se materializa principalmente no que tange a participação da tecnologia em nosso cotidiano”, explicam Dill e Pontes na entrevista a seguir.

Foto: Julio Appel

A inglória repetição do mito de Sísifo, condenado a empurrar eternamente uma enorme pedra ao topo de um monte, é abordada pelo grupo como fio condutor da peça: “Nós brasileiros estamos passando por dilemas com a repetição em diversos âmbitos, não só o empregatício. A repetição da batalha contra as fake news. A repetição da batalha contra os preconceitos. A repetição de uma economia desestabilizada. A imagem de uma pessoa que todos os dias tem que encontrar forças para erguer uma pedra ao topo da colina faz parte da nossa realidade”.

O espetáculo foi desenvolvido a partir de sessões de improviso, ao longo de quase seis meses de pesquisa, em trocas de Pontes e Dill com o elenco, formado por Guilherme Conrad, Gustavo Susin, Júlia Moreira, Louise Pierosan, Lucca Simas e Vicente Vargas.

Primeira dramaturgia autoral do GRUPOJOGO, Prédios Espelhados Matam Passarinhos mescla elementos da dança, do teatro e de produções audiovisuais. O projeto foi patrocinado pelo Fundo Internacional de Ajuda para Organizações de Cultura e Educação 2021, iniciativa desenvolvida pelo Ministério das Relações Exteriores da Alemanha junto a instituições como o Goethe-Institut.

Leia a entrevista com Alexandre Dill e Gabriel Pontes.

Como foi o processo de concepção do espetáculo?

Prédios Espelhados Matam Passarinhos começou a ser construído em âmbito digital no início do segundo semestre de 2021. Através de encontros online, os membros do GRUPOJOGO compuseram uma lista de desejos para a criação de uma nova obra. Gabriel Pontes, que também dirige o audiovisual do espetáculo, foi escolhido como dramaturgo para organizar essas informações e, a partir delas, criar uma obra que refletisse o sentimento do grupo nesse momento.

Após algum tempo do início da pesquisa, começamos a entender que a problemática que costurava os desejos com a narrativa eram as relações de trabalho na atualidade. Infelizmente, com a precarização do trabalho, principalmente do trabalho artístico, tornou-se impossível sobreviver e buscar sustento na arte. Todos os membros do grupo hoje lidam com uma dupla jornada para poder continuar exercendo suas profissões artísticas. A exaustão gerada por essa rotina estava muito presente nos discursos e nos sentimentos compartilhados entre os membros do grupo.

Através dessa reflexão, o mito de Sísifo foi inserido e reimaginado como fio condutor do espetáculo, o primeiro com dramaturgia autoral do grupo, porém no ano de 2016 realizamos o experimento cênico Amor, Amor, Amor que teve dramaturgia escrita por Jéssica Lusia também em sala de ensaio.

De que forma a abordagem de vocês para o universo do trabalho se materializa nas cenas da montagem?

O espetáculo apresenta narrativas episódicas com diferentes personagens. Cada história é de alguma forma atravessada pelo contexto do mercado de trabalho. Esse universo se materializa principalmente no que tange a participação da tecnologia em nosso cotidiano. Abordamos aspectos como marketing digital, home office, abuso de poder e a substituição de trabalhadores por tecnologias automatizadas. Em um momento, por exemplo, conhecemos um estoquista de supermercado que desabafa sobre o cansaço do esforço físico e da repetição no seu cotidiano. Esse mesmo estoquista, contudo, teme a substituição de sua força de trabalho por uma nova máquina que está sendo testada na rede de supermercados em que ele trabalha.

Foto: Julio Appel

O título traz uma imagem muito forte e contemporânea, e a dramaturgia traz outra imagem muito potente, do mito de Sísifo, mencionado anteriormente.

Prédios Espelhados Matam Passarinhos foi escolhido como título pelo grupo em um de nossos encontros presenciais. Reflete o contexto de crescimento desenfreado de grandes empresas e como elas lidam com sua força de operação, a classe trabalhadora. Temos diversos exemplos de empresas que utilizaram de seu poder financeiro para modificar ou burlar as legislações empregatícias. Uber, iFood e Telegram são exemplos de gigantes que, nos últimos anos, não só transformaram as relações de trabalho, como em alguns casos causaram um devastador impacto político e social. A imagem de um entregador de Uber Eats em cima de uma bicicleta do Itaú também resumiria muito bem a força dos prédios espelhados em relação a nossos passarinhos.

Sísifo se relaciona com tudo isso pela metáfora da repetição. Nós brasileiros estamos passando por dilemas com a repetição em diversos âmbitos, não só o empregatício. A repetição da batalha contra as fake news. A repetição da batalha contra os preconceitos. A repetição de uma economia desestabilizada. A imagem de uma pessoa que todos os dias tem que encontrar forças para erguer uma pedra ao topo da colina faz parte da nossa realidade.

Entre os desejos do grupo durante a concepção da dramaturgia, um dos mais importantes era o de encontrarmos uma forma de sonhar com utopia de novo. Como encontrar forças para reconstruir tudo que perdemos nos últimos anos? Como acreditar que vale a pena erguer essa pedra ao topo da colina, só para ver ela desmoronar novamente? O mito de Sísifo foi essencial para a nossa leitura do contemporâneo e para refletir sobre nossas inquietações.

Gostaria que você comentasse a mescla de linguagens e de que forma a pandemia influenciou essa abordagem.

O espetáculo é um resultado direto de nossas pesquisas com o digital durante o período da pandemia. Até em sua operação, reflete nossos aprendizados com tecnologias de transmissão. O espetáculo é operado em OBS, um software de streaming que utilizamos para nossos eventos online. Dentro dele criamos as cenas e estabelecemos as relações do vídeo como parte integrante do espetáculo.

Prédios… foi concebido paralelamente em dois formatos, presencial e digital. A ideia é que o digital apresente um ponto de vista diferente do que o que é visto em cena. Assim construímos uma experiência digital complementar à obra presencial e que estabelece diferentes relações e estímulos.

É engraçado pensar que o espetáculo presencial em si não existe sem o digital, pois é através da plataforma de streaming que ele é coordenado. Essa mescla de linguagens não se dá apenas na tecnologia aplicada no espetáculo. Na dramaturgia, conhecemos a personagem Cristiano Navarro, especialista em marketing digital que vende um curso sobre como utilizar técnicas de teatro em âmbito empresarial. Essa personagem é reflexo direto do impacto da pandemia nos mercados de trabalho, com a migração massiva das empresas para dentro das mídias sociais.

Quais os planos do grupo para 2022?

Com o lançamento do novo edital Usina das Artes, o GRUPOJOGO provavelmente irá se retirar do projeto e sairá de sua sede na rua Santa Terezinha. Por isso, temos o grande desafio de levantarmos um novo espaço a partir do segundo semestre. Em breve iniciaremos uma nova turma da Oficina de Criação e Montagem para formarmos novos atuantes já em um novo espaço. O grupo também pretende fazer novas apresentações de Prédios…, quem sabe em outros estados, e investir em novos projetos criativos no universo do audiovisual. Nossos colaboradores também estão se preparando para ministrar oficinas de curto prazo, abordando assuntos como técnicas de palco, marketing digital para espetáculos artísticos e produção musical para teatro.

Prédios Espelhados Matam Passarinhos, do GRUPOJOGO

Quando: 22 e 23 de abril, às 20h
Onde: Teatro do Centro Histórico-Cultural Santa Casa em Porto Alegre (Avenida Independência, 75 – Porto Alegre)
Ingressos à venda no site do GRUPOJOGO

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