Artigos | Marcelo Carneiro da Cunha | Série | Série

Sandra Oh luta pela diversidade em “The Chair”

Change Size Text
Sandra Oh luta pela diversidade em “The Chair” Netflix/Divulgação

Uma das explicações para a sociedade americana chegar até onde chegou inicia com o início mesmo. Protestante e puritana, ela era uma sociedade de alfabetizados e leitores desde muito cedo – ao menos no mundo branco. Esse culto à escola e à educação é sim um dos pilares da vida deles, que se transformou na construção e culto das grandes universidades. Pagas, e muito caras, que fique claro.

A vida universitária, como tudo na vida americana, é construída sobre rotinas e tradições. As fraternidades e sororidades, a vida no campus, as relações entre direção, professores e alunos, e as contribuições que recebem de doadores. Doar dinheiro para uma universidade é uma das coisas mais respeitadas e nobres da vida americana, embora os doadores muitas vezes invadam o território da autonomia estabelecendo desejos que eles, doadores, gostariam de ver atendidos.

E é sobre esse território sagrado da academia americana que se desloca a história de The Chair, série disponível no Netflix que mistura drama, alguma comédia e muito realismo para tirar um sarro nada acadêmico da instituição mais respeitada nos Estados Unidos.

Tudo começa porque o cargo de chair, ou diretor de departamento de uma importante universidade, acaba de ser ocupado por uma mulher. E ela não é qualquer mulher. Ela é a poderosa Sandra Oh, uma das melhores atrizes que você pode encontrar, tanto no xaroposo Grey’s Anatomy como no mortal Killing Eve. Sandra Oh tem esse poder transformador de fazer qualquer personagem ganhar dimensionalidade e empatia, e isso sem deixar de ser contida e coreana. Bravo.

Tudo começa quando nossa Dra. Ji-Yoon Kim se torna a primeira diretora de departamento “de cor” da prestigiosa universidade Pembroke. “De cor” é um conceito bastante amplo nos Estados Unidos, enquanto “branco” é bastante restrito e significa “branco, mas branco mesmo, e, se possível, anglo-saxão”. No Brasil, por exemplo, me parece que a pessoa precisa ser muito não branca mesmo para não ser branca. Mas, digresso.

Sendo de cor, e mulher, a nossa doutora sente que precisa arrasar no cargo. E para isso, precisa deixar a filha adotiva com o avô coreano – que não fala inglês –, ou com quem possa cuidar da menina, que passa por um momento de rebeldia exacerbada. Ou seja, é uma criança.

Como mulher, de cor e professora apaixonada, ela se sente feliz por estar numa posição que lhe permite trazer um olhar mais diverso para a sua tão tradicional instituição. O que ela descobre, e logo, é que na verdade a instituição conta com ela para parecer renovada e permanecer a mesma.

O problema é que esses são novos tempos, desafiando a universidade em duas frentes: redução no número de alunos – e a universidade americana, caríssima, vive de alunos – e professores antiquados e caros, que precisam ser removidos por falta de alunos. E é nesse redemoinho que se vê a nossa estimada doutora, sendo sugada para longe de suas melhores intenções por forças que tenta controlar, em vão.

O seu amigo e possível crush, professor Dobson, cultuado pelos alunos, vive a crise da perda da esposa um ano antes, e comete um erro grave no momento atual. Na verdade, no momento sensível em que vivemos, qualquer erro cometido por alguém que é ao mesmo tempo homem e branco é um erro grave, e irreversível, como ele descobre da pior forma.

Assim passa a viver a doutora Kim, dividida entre a tentativa de fazer o certo e a necessidade de fazer o que precisa. A universidade precisa cortar custos, e isso representa mexer com estruturas imexíveis. Professores de universidades americanas ganham por tempo, mérito ou ambos a ambicionada tenure, a estabilidade no emprego. Uma vez obtida a tenure, melhor não sacudir a poeira.

E vários dos professores de Pembroke perguntam: por que é tão importante ser popular? É isso que faz de um professor, um professor? A universidade é, afinal, um concurso de popularidade, ou um lugar onde o eterno tem a sua chance?

The Chair é tudo isso. O prazer de ver é real, mas, infelizmente curto, seis episódios que passam assim, ó, e fim. Vejam.

RELACIONADAS
PUBLICIDADE

Esqueceu sua senha?