Marcelo Gross exorciza “Tempo Louco” com psicodelia
Guitarrista, compositor e um dos fundadores da banda Cachorro Grande, Marcelo Gross apresenta seu terceiro disco solo, Tempo Louco, em live nesta sexta-feira (16/7), às 21h – mesmo dia do lançamento do novo trabalho em todas as plataformas digitais. O show virtual contará com um cenário tecnológico com mais de 200 metros quadrados e estrutura audiovisual para mostrar o álbum na íntegra, com as 10 faixas tocadas ao vivo e na ordem.
Além de Gross na guitarra e vocal, a formação da banda terá Eduardo Barretto (baixo e backing vocals), Bruno Galhardi (bateria) e André Rech (teclado). A apresentação, produzida pela Fêmea Produções, é uma parceria com a Cubo Filmes, que fará a transmissão interativa direto do seu estúdio, em Porto Alegre. Os ingressos para a live custam R$ 15 (primeiro lote) e podem ser adquiridos na plataforma Cubo Play.
Tempo Louco traz as influências que já são conhecidas do músico, misturando o power pop da década de 1960 com referências contemporâneas. O disco foi gravado no estúdio Clandestino, em São Paulo, antes da pandemia, e finalizado durante o período de distanciamento social.
O novo trabalho sucede os dois álbuns solo do músico lançados anteriormente: Use o Assento para Flutuar, de 2013, e Chumbo & Pluma, de 2017. O disco também é o primeiro do artista após o fim da Cachorro Grande.
As gravações contaram com o baixo e backing vocals de Eduardo Barretto e a bateria de Alexandre Papel, além de diversas participações especiais, como a de Pedro Pelotas, ex-colega de Cachorro Grande, que gravou os teclados. Há ainda o sitar de Fábio Kidesh na já lançada faixa A Dança das Almas, os sopros do duo paulistano Neurozen no single As Lágrimas, que também está disponível, e a parceria na composição da inédita Superstição, escrita com o amigo Charles Master.
O álbum é um lançamento do Selo 180 e Ditto Music e, posteriormente, também será disponibilizado em vinil. O pré-save pode ser feito aqui.
Na entrevista a seguir, Marcelo Gross comenta sobre Tempo Louco, influências musicais e pandemia, além de descartar um eventual retorno da Cachorro Grande: “Cumprimos nossa missão. Foram 20 bons anos juntos e estão todos felizes com seus respectivos projetos. E também acho que estes tempos não combinam com o espírito libertário que a banda tinha. Ela pertence a uma era que já não existe mais”.
Como foi o processo de criação e gravação do álbum? Quem responde pela produção musical do disco?
Acabei encarregado da produção musical, desde a seleção das demos caseiras, já com os arranjos pré-definidos, até depois, quando passamos as músicas com o trio, formado por Eduardo Barretto no baixo e backing vocais e Alexandre Papel na bateria. Fizemos alguns ensaios e depois gravamos o núcleo baixo/ guitarra/ bateria tocando ao vivo no estúdio, sem separação, pra pegar um clima mais rock’n’roll de banda tocando junto. Essa parte fizemos em dois dias, depois botamos os overdubs de voz, solos e demais instrumentos. Contei com a ajuda preciosa do pessoal do estúdio Clandestino, em São Paulo; o Caíque Duran e o Cláudio Costa na engenharia de som; e o Diego Basanelli, que fez as artes visuais e fotografia da capa. Eles foram fundamentais no processo todo, desde a captação até a mixagem e masterização. Foi tudo muito espontâneo e feito entre amigos, com muito carinho e dedicação de todos. O estúdio fica na mesma Rua Augusta em que eu morava, a algumas quadras de distância, então cruzava a Avenida Paulista e já estava lá. Foi como gravar no quintal do vizinho. As gravações aconteciam de madrugada e foram sessões muito agradáveis regadas a vinho tinto e cigarros. Logo após termos começado a gravação veio a pandemia, então o disco foi sendo finalizado aos poucos. Nesse meio tempo lançamos as músicas que iam ficando prontas, que foram os quatro singles que precederam o disco. Contei com alguns amigos convidados: o Pedro Pelotas gravou os teclados e fez o arranjo de cordas de uma faixa, o Fábio Kidesh gravou cítara indiana e a dupla Neurozen gravou os sopros. Tem também uma música que escrevi em parceira com o velho amigo e ex-TNT Charles Master.
As letras das canções falam de perda, sofrimento, superação. De que maneira suas experiências pessoais estão presentes nesse trabalho?
Esse “tempo louco” começou pra mim antes da pandemia. Passei por momentos bem difíceis, perdi pessoas muito próximas, depressão, a luta para superar. Tudo isso está de certa forma refletido nas letras, e foi a maneira que encontrei para lidar, exorcizar e externar o que eu estava sentindo. E também a recuperação desse momento, os novos relacionamentos, a vida na cidade de São Paulo, com todas as suas idiossincrasias. Tudo acabou sendo combustível para as canções.
O disco ecoa a sonoridade característica e as influências da Cachorro Grande, especialmente as referências mais psicodélicas, mas também aponta novos caminhos musicais. Como você situa Tempo Louco em relação aos seus discos solo anteriores e ao trabalho com sua antiga banda?
Vejo como uma continuação do meu trabalho, e acho natural ter essa conexão com o que eu fazia antes por conta de ter escrito boa parte do material e arranjos da minha antiga banda. E o power pop psicodélico dos anos 1960 é a minha raiz, além de ser um gênero o qual me sinto à vontade para trabalhar. Não faria sentido aparecer tocando um rap ou um metal, por exemplo, só para fazer algo diferente ou apenas para entrar em alguma onda. O disco novo é um retrato dessa fase da minha vida e carreira, momento difícil, porém transitório, com a assinatura característica. Em relação aos meus trabalhos anteriores, essa é a primeira vez que escrevo exclusivamente para um álbum solo. Antes dividia as composições escrevendo também para a banda.
Você voltou a morar em Porto Alegre em função da pandemia. O que essa mudança significou para você?
Significou uma certa volta às raízes, um reencontro com o meu “eu” de muitos anos atrás, e também aquele sentimento de dar dois passos para trás para depois seguir adiante. A cidade que me acolheu artisticamente, que é São Paulo, está com as atividades culturais em suspenso, atividades essas que eram um dos motivos que me faziam querer estar e viver lá, então nesse momento de ter que ficar mais isolado preferi estar junto a minha família no Sul, o que está sendo muito agradável.
Como ficou o cenário para os músicos com a pandemia, que suspendeu os shows presenciais ao vivo há mais de um ano?
É um momento em que temos que trabalhar com as ferramentas que estão à disposição, como as lives e divulgações virtuais. Acabei me voltando para criação no estúdio também, escrevendo e produzindo novas canções e divulgando os singles virtualmente, fazendo lives caseiras e outras com uma estrutura mais bacana, pra tocar com banda. Mas nada disso movimenta como os shows presenciais. A falta de apoio para a classe artística nessa pandemia foi algo notório. Era mais fácil ganhar na loteria do que ser classificado em algum dos poucos editais disponíveis, então ficou um cenário bem limitado. Mas acredito que, com a vacinação andando, mesmo que lentamente, as apresentações presenciais voltarão aos poucos, com as devidas restrições e seguindo os protocolos. Há uma luz no fim do túnel neste momento, com a chegada dessas vacinas.
Estamos enfrentando também uma onda de conservadorismo e autoritarismo que busca ditar as regras nos costumes e na cultura. Como você vê o Brasil de hoje e dos próximos anos?
Acho que isso vai passar, assim como passou em outros lugares em que conseguiram se dar conta do quanto tinham errado em suas escolhas. Nos próximos anos, olharemos o Brasil de hoje como uma lição a ser aprendida para não repetirmos os erros que fizeram com que estivéssemos nessa situação.
O que você tem escutado atualmente?
Com a idade chegando, tenho ouvido música de velho: Chet Baker, Miles Davis, John Coltrane, Jimmy Smith, Dave Brubeck, Django, Cab Calloway… e Beatles.
Há alguma possibilidade de um retorno da Cachorro Grande?
Não. Cumprimos nossa missão. Foram 20 bons anos juntos e estão todos felizes com seus respectivos projetos. E também acho que estes tempos não combinam com o espírito libertário que a banda tinha. Ela pertence a uma era que já não existe mais.