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“Conterrâneos Estrangeiros”: RROCHA deixa a luz entrar

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“Conterrâneos Estrangeiros”: RROCHA deixa a luz entrar Foto: Camila Cornelsen

Primeiro trabalho solo do multiartista Rafa Rocha – que assina sua recente produção musical como RROCHA –, Conterrâneos Estrangeiros inclui um EP, vídeos e um livro, no qual o músico reúne relatos pessoais, registros das gravações do trabalho e imagens que compõem o universo imagético do projeto, lançado pelo selo goiano Bananada.

Logo no começo da publicação de 234 páginas, fruto de um minucioso trabalho editorial, RROCHA narra em detalhes crises de ansiedade e pânico que ele viveu quando se mudou de Porto Alegre para São Paulo e que acabaram dando contornos para o projeto solo, desenvolvido a partir de 2017. “Eu estava vivendo um medo constante que eu não sabia explicar”, relembra o artista. “Cheguei ao ponto de não me reconhecer mais. Como podia eu ser estranho à coisa que eu mais conhecia no mundo todo? Tinha virado uma espécie de estrangeiro de mim mesmo”, completa o autor.

Capa do livro e EP “Conterrâneos Estrangeiros”

“Sentir medo e pânico é algo que muitos de nós hoje em dia temos passado frequentemente, algo que está aí no dia a dia, e parece que as pessoas não conseguem falar sobre. Existe um véu, algo muito fino e translúcido, que faz com que ninguém dê a devida atenção para o que está rolando. Foi muito maluco quando dividi com amigos próximos o que ei estava passando e o processo criativo de transformar isso em arte. A frase que eu mais ouvi foi ‘eu também’, ou ‘acho que sei como é’”, reflete RROCHA na entrevista a seguir.

Foto: Camila Cornelsen

No EP Conterrâneos Estrangeiros, RROCHA conta com as participações dos rappers Zudizilla, de Pelotas, e Ramonzin, do Rio de Janeiro. Além da capital fluminense, Los Angeles e São Paulo fizeram parte do roteiro das gravações, realizadas no primeiro semestre de 2019. O músico descreve a sonoridade do trabalho como um lo-fi repleto de camadas e texturas, que dialoga com MPB e hip hop.

A mescla de narrativas de Conterrâneos Estrangeiros se completa com a linguagem audiovisual. “Nesses primeiros capítulos, tivemos a participação fundamental do Grupo Tholl e da ajuda na busca de elenco do artista PVZERA, ambos de Pelotas. Foi através dessa troca com o elenco, da narrativa e suas locações que o enredo foi ficando cada vez mais sólido. Ainda está para sair alguns outros filmes que foram gravados na comunidade do Vidigal, no Rio de Janeiro, e levam a história para um outro caminho”, conta RROCHA.

 Na conversa a seguir, RROCHA fala sobre as inquietações que resultaram em Conterrâneos Estrangeiros e sobre as diferentes plataformas do projeto.

No começo do livro Conterrâneos Estrangeiros, você relata um processo de perceber crises de ansiedade e pânico e a busca por ajuda. Poderia nos falar um pouco mais sobre esse momento?

Foi um momento muito denso, de fato algo que me mudou profundamente. No livro, para fortalecer o enredo e a narrativa, eu escrevi como se os acontecimentos ocorressem um na sequência do outro, mas eles são um resumo de um período muito maior, onde a busca, a aceitação e posteriormente a ressaca tiveram um período (e consequentemente uma digestão) muito maior e mais complexo. Sentir medo e pânico é algo que muitos de nós hoje em dia temos passado frequentemente, algo que está aí no dia a dia, e parece que as pessoas não conseguem falar sobre. Existe um véu, algo muito fino e translúcido, que faz com que ninguém dê a devida atenção para o que está rolando. Foi muito maluco quando dividi com amigos próximos o que eu estava passando e o processo criativo de transformar isso em arte. A frase que eu mais ouvi foi “eu também”, ou “acho que sei como é”. Não é algo individual, e sim algo coletivo. Como eu falo no livro, “esse não é um disco sobre mim, é sobre a gente”.

Como o projeto unindo EP, audiovisual e livro ganhou forma a partir dessas reflexões?

Desde o início do projeto, lá em 2017, eu sempre quis fazer algo que me completasse em relação ao que eu faço profissionalmente e como eu expresso isso. Busquei fazer algo que unisse meus campos de atuação artística como um todo, seja ele musical, visual ou “publicado”. O caminho construído com a Noize, projetos de música anteriores e dirigir e fotografar outros artistas levaram a algo multiformatos, principalmente com um enredo que tem tantas layers como o de Conterrâneos Estrangeiros.

Quando gravei o disco em 2019, já visualizava os filmes, já pensava em como ia conectar o “zine” (o livro nasceu como um zine, e foi tomando corpo até chegar onde está). Sabia que eu precisava de um objeto, ou algo publicado, que resumisse a história toda, centralizasse a narrativa e desse mais cor. Foi um processo bem extenso hehehehe! Estou desde 2017 em produção de todos os materiais gráficos, sonoros, textuais e audiovisuais do projeto. Com a pandemia, acabou se alongando ainda mais o lançamento, até o ponto de “não tem mais como adiar”. 

Gostaria que você comentasse um pouco sobre os processos em torno de cada uma das plataformas, começando pelo EP. Como ele foi gestado e qual sonoridade você buscou?

O EP iniciou sua composição em 2017, ainda algo bem diferente do que veio a ser, no violão de nylon, e tendo como base os acontecimentos que o livro narra. No seu embrião, o projeto ainda contava com a presença de uma grande amiga minha, a Camila Cornelsen (ex-vocalista do Copacabana Club), que trabalhou brevemente comigo em alguns desses começos de canções. Com a saída dela, eu fui a fundo na persona RROCHA e em como tudo andaria conectado, como expressaria isso. Desde antes do hiato da Wannabe Jalva, eu já vinha me aproximando de uma sonoridade mais próxima do hip hop e do groove do violão de nylon dessa “MPB distorcida”, um lo-fi com bastante camadas e texturas.

A partir disso, eu trouxe para a criação meu amigo de longa data Rafael Tudesco, que produziu o disco e colaborou comigo em diversas faixas. Possivelmente pela nossa proximidade, o processo foi algo bem orgânico, desde as escolhas dos músicos, às trocas mais densas e criativas. Pra mim, música nunca foi um ato individual, sempre coletivo, então nada melhor do que ter por perto pessoas que você confia para trabalhar junto, construindo os alicerces da sonoridade.

Poderia nos falar sobre as participações do EP?

O EP conta com as participações dos rappers Zudizilla e Ramonzin, de Pelotas e Rio de Janeiro, respectivamente. A vontade de dialogar com outros estilos, trazer novas abordagens para esse modo “solo”, foi se tornando muito latente nos primeiros meses de trabalho e composição das músicas. A ideia inicial era que todas as faixas tivessem uma participação especial, creio que justamente para suprir essa necessidade de troca com outros artistas. Porém algumas acabaram se resolvendo de outra forma. Também existe a participação “textual” de Bruna Valenttini, atriz gaúcha radicada na Espanha, que sempre foi um farol de luz na criação do projeto, através de longas conversas e trocas de mensagens, me ajudando a dar sentido a muita coisa. Ela participa fazendo a locução (e escrevendo o texto) na faixa Sueño 19:37 e divide a composição comigo em Frontera. Também há um poema dela publicado no livro que é lindo demais.

[Continua...]

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