Juremir Machado da Silva

Apesar da chuva, a Feira do Livro foi bela

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Apesar da chuva, a Feira do Livro foi bela

– Vai acabar.

O cara falou assim. Corria o ano de 2001. Era o começo oficial do novo século, do novo milênio, da nova era. Já era o século XX. O mundo não acabara em 2000. Alguns, contudo, se mataram de medo do fim do mundo. O restante, como eu, ficou por aqui mesmo na espera de dias melhores, que viriam por algum tempo, antes de uma piora cíclica.

– Vai acabar em 30 anos.

O cara tinha todo o jeito de yuppie, palavra dos anos 1980 que designava o que depois seria chamado de mauricinho, engomadinho ou mala do setor financeiro, o típico “quero me dar bem”. Era um vidente. Estava na Feira do Livro de Porto Alegre. Na frente do MARGS.

– Não tem futuro – sentenciou.

Tremi na base. O homem anunciava certamente o fim do livro, minha razão de viver. Tive vontade de mandá-lo catar coquinhos ou coisa mais rude, mas me contive: uma senhora de uns dos 90 anos, talvez 89, me aguardava com um livro para uma dedicatória. As velhinhas sempre foram minhas leitoras e até hoje se lembram de mim e me festejam quando me enxergam nas ruas vagando em busca do futuro.

– Não tenho a menor dúvida, vai acabar.

Como podia ter certeza? Não usava bola de cristal. Não tinha barba branca, cabelos compridos, ar de bruxao, fala esotérica. Era tão normal quanto eu, se posso dizer que sou normal, de longe, ao menos.

– Trinta anos, não mais.

Autografei o livro da amável velhinha com mais pressa do que ela merecia, o que a fez exibir um muxoxo e se afastar a passos largos e firmes. Concentrei-me nas previsões do sujeito, que falava para umas 20 pessoas, bem mais do que boa parte das filas de autógrafos, inclusive as minhas. Resolvi pegar o touro pelos chifres. A outra alternativa, pelo rabo, me parecia ainda mais perigosa. Desafiei:

– Prova o que está dizendo.

– Não tenho como. Apenas sinto.

– Se não pode provar, não fala.

– A prova vai chegar em 30 anos – respondeu.

Fiquei com raiva. Quem era aquele almofadinha de cabelo engomado (os modernos têm uma obsessão por gel no cabelo e textos ilegíveis) para falar da morte do livro no recinto sagrado do livro, a Feira? Não fosse eu um pacifista, além de ter perdido todas as brigas física da adolescência, teria partido pro pau. Já me via massacrando a figura. Tudo isso por amor ao livro? De fato. Eu nem sabia que gostava tanto assim dos livros dos outros. Resolvi ser sinuoso, ir pelos flancos:

– Dá pelo menos um argumento.

– Tudo tem um fim – ele disse.

Achei fraco. Era uma teleologia (palavra usada por filósofos seguros de si) barata. Entendi que precisava falar para convencer as pessoas de que o livro tinha futuro e assim salvar a minha ocupação de todas as horas vagas. Expedi um pequeno e valente discurso. Fui de Platão a Paulo Coelho sem o menor pudor. Até os livros do Mago mereciam existir. Entrei numa vibe generosa a cem por cento.

– O livro não vai acabar – gritei.

– Mas quem está falando de livro? – grunhiu o profeta.

– Tu, ora.

– Eu não.

– De que está falando então? O que é que vai acabar?

– O mundo.

Ufa! Respirei aliviado.

Apesar da chuva, a Feira do Livro de 2023 foi bela.

Como sempre é!

*

Lançamento do PPGCOM/PUCRS na Feira do Livro

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