Juremir Machado da Silva

A força da arte que faz rir

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A força da arte que faz rir Gilberto Schwartsmann com a equipe de "A força da arte" | Fotos: Luís Gomes

Com direção e protagonismo de Zé Adão Barbosa, a peça A força da arte, texto de Gilberto Schwartsmann, é um belo achado. Estará em cartaz novamente no teatro Olga Reverbel de 18 a 21 de abril. Um casal rico e vazio, interpretado por Zé Adão e Arlete Cunha, recebe na sua mansão na Serra dois casais de amigos da mesma cepa e um professor de literatura fora da curva. O objetivo de todos é fugir da covid-19. Os demais personagens são encarnados por Adriana Collares, Ana Kerwaldt, Zé Passos, Anderson Leal e Juliano Passini. Toda a hipocrisia da elite Miami é satirizada sem a menor cerimônia. O espectador diverte-se com uma profusão de piadas envolvendo literatura e falta de cultura. Decameron é só uma sauna para um dos ricaços. Por trás da leveza dos diálogos, surgem os podres da vida de cada um, da traição ao tédio.

O ápice da peça se dá com a entrada em cena do professor de literatura, Luís, um pobretão pedante aos olhos dos demais, que sacode o refúgio falando de A morte de Ivan Ilitch, de Tolstoi. Como se sabe, é uma leitura que ainda costuma abalar as estruturas das pessoas nestes tempos de aceleração total. O marido da cantora Sandy pediu o divórcio depois de ler esse clássico russo. A incultura é o tema central da divertida caricatura feita pelo dramaturgo. A anfitriã confunde caixa de Pandora com caixa de pandorga. Albert Camus é só um ilustre desconhecido. Ler não seria prioridade nas altas castas.

Uma peça que diverte e faz refletir em tom de conversa cotidiana merece atenção e aplausos. Com cenário de Zoravia Bettiol, A força da arte aposta no riso como abertura de espírito. Funciona. Santo de casa pode fazer milagres. Na época da hiperespecialização, Gilberto mostra que é possível ser transdisciplinar com elegância crítica. Os atores estão ótimos. Zé Adão faz o burguês hipócrita, que recebe a amante em casa, com naturalidade. Bela interpretação. O final assume um ar delicioso de farsa, com revelações e inversões inesperadas.

Enfrentar a covid-19 comendo foie gras e tomando champanha numa casa de 1200 metros quadrados e nove quartos tem algo de profundamente provocativo. A fórmula é repetida para marcar o tempo e a natureza da obra. O fato de o vírus não fazer diferença entre ricos e pobres encontra uma relativização cruel: poder se isolar não era um trunfo à disposição de todos. Há quase sempre uma saída de emergência mais confortável para quem tem grana. Enquanto o tempo passa, os personagens recebem notícias da morte de amigos, parentes ou conhecidos. A recepção das informações é jocosa, sem drama, como quem diz, não sou eu, tudo bem, se alguém tem de dançar, que seja o outro, qualquer outro, mesmo um outro que tenha estado muito próximo.

As marcas mais patéticas do bolsonarismo aparecem na peça como uma lembrança de que o pesadelo também teve o seu lado político. Escapamos por pouco. Vida que segue. Leitor, vá rir um pouco. Avante.

Tambor tribal (Escolas cívico-militares)

Assisti, na terça-feira passada, das galerias da Assembleia Legislativa, parte do confronto entre defensores das escolas cívico-militares e críticos dessa ideia esquisita. O projeto caro à direita mais radical, com cara de inconstitucional, passou. Tinha aval do governo, não por convicção, mas por ser interessante jogar para a torcida. Escola cívico-militar em 2024 é como energia elétrica por conta da eficiência da Equatorial: um grande apagão da modernidade.

Frase do Noites

Sutil, o iluminista não se ilude com as luzes do X. Para ele, Elon Musk confunde liberdade de expressão com impressão de liberdade.

Imagens e imaginários

No Pensando Bem, que vai ar todo sábado, 9 horas, na FM Cultura, 107,7, em parceria com a Matinal, a revista Parêntese e a Cubo Play, e apoio da Adufrgs Sindical, Nando Gross e eu entrevistamos o escritor, cronista, diretor de teatro e biógrafo de Nelson Rodrigues, o incansável Caco Coelho. O cara sabe tudo sobre o maior dramaturgo da história do Brasil. Publicou um primeiro volume de mil páginas sobre o autor de Bonitinha, mas ordinária. É só o começo. Imperdível.

Escuta essa

É isso, fé cega, faca amolada:

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