Juremir Machado da Silva

O Banco do Brasil e a escravidão

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O Banco do Brasil e a escravidão A presidente do Banco do Brasil, Tarciana Medeiros | Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil

Deu no jornal: “A presidente do Banco do Brasil, Tarciana Medeiros, primeira mulher negra a presidir a instituição, pediu desculpas neste sábado (18) pela atuação do banco durante o período de escravidão no país. Mais: “O pedido de desculpas faz parte de um acordo que o banco fez com o Ministério Público. Além disso, foi solicitado que o banco também reconheça a sua participação durante o período de tráfico de pessoas e apresente um ‘plano de reparação’ as ações cometidas”. O MP faz história.

Em meu livro Raízes do conservadorismo brasileiro: a abolição na imprensa e no imaginário social (Civilização Brasileira, 2017), abordei as relações incestuosas do Banco do Brasil com a escravidão, sendo dirigido por notórios escravistas. A seguir, alguns trechos:

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“Paulino de Sousa e Cotegipe perderam a guerra. Não quiseram, contudo, perder a pose. A aprovação da Lei Áurea teria acontecido, segundo muitos relatos, por unanimidade no Senado. A Gazeta da Tarde, no entanto, na página 2, de 13 de maio de 1888, registrou seis votos contrários: “Votaram contra o projeto os srs. Paulino de Sousa, Cotegipe, Belisário, Pereira da Silva, Ribeiro da Luz e Diogo Velho. O Correio Paulistano de 15 de maio de 1888 diz em telegrama do presidente do Conselho ao vice-presidente da província de São Paulo: “Já é lei do Estado, contra 9 votos na Câmara e 5 no Senado, a resolução que extingue a escravidão. Imenso júbilo popular. Entusiásticas manifestações à princesa imperial regente. A cidade em festas.” O ministro da Agricultura, Rodrigo Silva, determinava: “Está sancionada a lei extinguindo a escravidão no Brasil. Providencie para que seja executada desde já.” O Diário de Notícias de 13 de maio de 1889 afirma: “Não havendo mais quem peça a palavra, encerra-se a discussão. O sr. presidente consulta o Senado se acha a matéria suficientemente discutida. O Senado resolve afirmativamente. Posta a votos, foi a proposta aprovada, tal qual veio da Câmara, pela quase unanimidade do Senado, votando contra apenas quatro senadores.”

“Rodrigo Silva era o mesmo que em 1870 havia defendido que os interesses da agricultura eram os interesses da sociedade brasileira e ponto-final, e que em 1886 mandara matricular, em Campos, no Rio de Janeiro, 14 mil homens livres como escravos, sendo desautorizado pelo Senado. Quem eram os renitentes que não se importaram, mesmo sabendo da derrota, em entrar para a história como defensores de uma instituição moralmente liquidada e deslegitimada pelos melhores pensadores? Paulino de Sousa e Cotegipe representaram os interesses rurais escravistas com grande destaque.”

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“Se Paulino de Sousa e Cotegipe eram carrancas de proa, Francisco Belisário Soares de Sousa, primo de Paulino – ambos nascidos em Itaboraí, no Rio de Janeiro –, não deixava de ter destaque como operador ideológico de sua classe social. Em um tempo de baixa especialização, ele abraçou três atividades aparentemente incompatíveis, mas igualmente desafiadoras. Foi jornalista, banqueiro e político. Em todas elas, defendeu a escravidão e seus interesses muito particulares. Como político, foi deputado provincial, deputado geral, senador e ministro da Fazenda. Dirigiu o Banco do Brasil. Comandou a pasta da Fazenda quando Cotegipe chefiava o governo. As relações de interesse econômico e ideológico entrelaçavam-se fácil e seguida- mente com as relações familiares. A Corte era uma linha de corte. Separava nitidamente os donos do poder dos súditos distantes do imperador.”

Belisário esteve no Senado por rápidos dois anos. Morreu em 24 de setembro de 1889. Não consta que tenha lamentado seu voto contra a abolição. Nem o justificado. O que poderia dizer de convincente? Sua biografia ficou marcada por haver hipotecado seus escravos e terras ao Banco do Brasil pouco antes da abolição. Detentor de informações privilegiadas e conhecedor da situação em que o país se encontrava, não hesitou em “antecipar” sua indenização. Foi denunciado pelo combativo José do Patrocínio. Teria sido diretamente beneficiado pelo artifício legal que considerou o município-neutro, a capital do país, parte do Rio de Janeiro, garantindo a transferência de escravos sem a restrição ao tráfico interprovincial. Sua contribuição mais positiva ao país foi um livro sobre o sistema eleitoral brasileiro no Império, publicado em 1872, no qual falava do ‘fósforo’, o eleitor que votava no lugar de outro em uma situação de fraude permanente.”

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Rui Barbosa, que não se intimidava mesmo diante de escravistas poderosos, denunciou frontalmente uma aberração: “Ainda há poucos dias, se dava a lume, no Diário Oficial, um edital de praça, em que eram postos em hasta pública, entre caldeirões furados e vacas magras, vários africanos que, pela idade anunciada, não podiam ter chegado às nossas costas antes de 1831; e, ao lado do sr. Cotegipe, nos conselhos da Coroa, se senta, ministro da Fazenda, um correligionário seu, que, numa escritura de hipoteca ao Banco do Brasil, enumera, entre as propriedades que obriga ao pagamento do seu débito, duas africanas de 40 anos e, portanto, forçosamente livres.”

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“José do Patrocínio, em maio de 1883, ajudou a fundar a Confederação Abolicionista do Rio de Janeiro, cujo primeiro manifesto, divulgado em agosto daquele ano, foi lido para 2 mil pessoas no Teatro dom Pedro II. Em 26 páginas, tudo é dito.

[…]

“O documento analisa os ciclos econômicos e suas relações com o escravismo, focaliza a desproporção entre o número de mulheres e de homens importados da África, indigna-se com a tentativa de anistia de 1837 aos contrabandistas de escravos em atuação depois de 1831, dá números da entrada de africanos em condições ilegais depois da primeira proibição do tráfico (515.315 pessoas), critica a Constituição imperial por só falar em libertos, escamoteando a escravidão, cita a obra do “finado Perdigão Malheiro, de saudosíssima memória”, comenta a polêmica em torno do Bill Aberdeen, aborda a questão do tráfico interprovincial, ataca os fazendeiros pela resistência à Lei do Ventre Livre, elogia o trono pelo apoio à aprovação da lei dos nascituros, defende a propaganda abolicionista, rotulada como anárquica, antipatriótica e criminosa pelos escravistas, revolta-se contra a prostituição de escravas, a separação de mães e filhos recém-nascidos para venda do leite materno e as fraudes nas matrículas de escravos, pedindo ainda a extinção imediata da escravidão. Apresenta cálculos impressionantes em relação aos negócios dos escravistas com o Banco do Brasil:

“Este banco tem emprestado à província do Rio de Janeiro 13.741:909$928* sobre 356 fazendas e 19.657 escravos. À província de São Paulo 10.220:617$200 sobre 245 fazendas e 9.417 escravos. À província de Minas Gerais 5.027:734$740 sobre 5.229 escravos e 145 fazendas. À província do Espírito Santo 214:206$600 sobre 569 escravos e 145 fazendas. O que se conclui é que uma população de 34.812 trabalhado- res, numa área de 758 fazendas, só tem o valor hipotecário de 29.204: 468$468 rs. Qualquer que seja o lado pelo qual encaremos este fato, ele enche de mágoa o observador imparcial. Calculando ao trabalho de cada escravo um salário de 240$000 rs anuais temos que este salário representa o valor anual de 8.469:280$000 rs, que é o juro anual de 6% do enorme capital de 141.154:666$000, valor detido em trabalho nas mãos dos devedores hipotecários do Banco do Brasil.”

* Contos de reais.

Emergência climática na Adufrgs

A Associação dos Docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Adufrgs) organizou na terça-feira, 21 de novembro, um debate de alto nível, na 4ª edição do Ciclo de Debates, “Construindo agora o amanhã”, sobre “Universidades e Institutos Federais no Enfrentamento da Emergência Climática”. A mesa reuniu especialistas e membros do governo: André Moreira Cunha, professor de economia, e Sergio Schneider, professor de sociologia, ambos da UFRGS, Marcia Cristina Bernardes Barbosa, física e secretária de Políticas e Programas Estratégicos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), e Marcelo Miterhof, economista do BNDES.

Discutiu-se a necessidade de mudança de mentalidade em relação ao ideário moderno de industrialização e consumo. Pediu-se que o governo federal invista mais na defesa do meio ambiente. Os representantes do governo apresentaram as ações em curso e valorizaram o uso de novos e poderosas tecnologias capazes de impactar o modo de produzir alimentos.

André, Marcelo, Márcia, Sergio e a mediador Juremir | Foto: Divulgação Adufrgs

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