Juremir Machado da Silva

Beto Moesch: “A agropecuária e a construção civil impermeabilizaram o solo gaúcho”

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Beto Moesch: “A agropecuária e a construção civil impermeabilizaram o solo gaúcho” Beto Moesch em audiência pública na Câmara de Vereadores em 2016 (Foto: Ederson Nunes/CMPA)

Ecologista, ambientalista, advogado, consultor, professor, vereador em Porto Alegre por três mandatos (PP), pessoa pública bastante conhecida no meio político e das lutas ambientais, Beto Moesch foi secretário municipal do Meio Ambiente. Longe de ser um radical de esquerda, é um liberal com tradição de defesa da natureza. Nesta conversa noturna por WhatsApp, ele diz como vê a tragédia que se abateu sobre o Rio Grande do Sul com as enchentes do começo de maio, cujos efeitos continuam a ser sentidos em cidades destruídas e famílias enlutadas ou que perderam o pouco que possuíam. Afinal, o tempo é de reflexão, questionamento e muitas dúvidas. Nada mais importante do que recorrer ao conhecimento e à experiência de quem tem colocado a mão na massa nas últimas décadas, contraindo, muitas vezes, interesses e o próprio campo ideológico e partidário. O diagnóstico que ele faz é duro, objetivo e sem concessões. As soluções demandarão uma virada de mentalidade, muita vontade política e planejamento.

Matinal – O que dizes sobre essa tragédia?

Beto Moesch – Mudanças climáticas promovidas mundo afora e no RS. Um somatório de impactos em nível global e local. Fomos o Estado que mais desmatou dentre todos os demais. Praticamente eliminamos as matas ciliares. Além disso acabamos com 90% dos banhados, ambos retêm a água na chuva e soltam na estiagem. Tanto a agropecuária como a construção civil impermeabilizaram o solo gaúcho. Acabaram com as instituições de Planejamento, como a Metroplan e FZB, desmantelaram a legislação ambiental gaúcha, assim como grande parte da brasileira. Não temos uma política, nem nacional nem gaúcha, para prever e comunicar desastres naturais. E assim por diante. Desde os anos 70 os “ecochatos ” alertavam sobre isso… E aí vai…

Matinal – Que se precisa fazer para proteger Porto Alegre?

Beto Moesch – Não permitir construções em áreas alagáveis, proteger a vegetação dos morros e as ciliares, rever o sistema de contenção de cheias (sem manutenção devida) que não funciona mais dentro de uma nova realidade de mudanças climáticas. Planejamento e orçamento para uma nova realidade, passando por uma reformulação profunda do nosso nefasto Plano Diretor. Mas hoje a administração de Porto Alegre só está voltada em viabilizar novas construções, e nada sustentáveis. O Guaíba é lago ou isso se consagrou por servir ao interesse imobiliário?

Matinal – O Guaíba é rio ou isso só está se consagrando por ser do interesse do setor imobiliário?

Beto Moesch – O Rualdo Menegat, que respeito muito, sustenta isso e foi colocado no Atlas Ambiental. É discutível, é um corpo hídrico “sui generis”. Mas sendo Lago é menos protegido. Mas por outro lado poderíamos ter uma legislação municipal mais protetiva. Só que não…
De qualquer forma nem os 30 metros previstos na legislação federal para proteger suas margens são respeitados…

Matinal – Tem construção a menos de 30 metros?

Beto Moesch – Várias…. Foi se consolidando no tempo… A própria nova orla não respeitou os 30 metros.

Matinal – O muro da Mauá, em Porto Alegre, mostrou que é muito útil e que não pode ser derrubado?

Beto Moesch – Aí já entra no campo da Engenharia e sou advogado. Todavia pelo que acompanho e observo a água entrou por toda a parte, principalmente extravasando os bueiros. E as casas de bombas não funcionaram. Portanto, a conferir melhor, não vi muita utilidade do muro. Todavia cabe uma discussão mais aprofundada sobre a real utilidade do muro. Outro debate que deve ser feito é a necessidade de planejarmos e adotar políticas a partir das bacias hidrográficas. Nenhum Plano Diretor respeita isso. Ao contrário. Aliás a Constituição Estadual de 1989 prevê um Plano Diretor para toda a Região Metropolitana. Nem discussão foi feita até agora.

Entendo também que nossa engenharia e arquitetura se afastaram totalmente da natureza, e isso persiste. Há uma nova concepção sendo adotada mundo afora que são as “Soluções Baseadas na Natureza” para empreender. quase ninguém sabe da importância do Delta do Jacuí. Sua vegetação, banhados e ecossistema seguram e absorvem o imenso volume de águas que vem dos rios. Mesmo sendo parte uma Unidade de Conservação (Parque Estadual criado em 1974), seu plano de manejo nunca foi implantado! Grande parte dele e do seu entorno que deveriam ser preservados ou com uso restrito são cultivados pelo agro e edificados pela construção civil, com omissão ou até incentivo dos governos estadual e municipais.

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