Juremir Machado da Silva

Confissão de Bolsonaro sobre urna eletrônica

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Confissão de Bolsonaro sobre urna eletrônica

      No impressionante vídeo em que Jair Bolsonaro e seu bando pregam o golpe de Estado, uma confissão do então presidente da República sobressai. O capitão admite não ter qualquer prova contra a insegurança das urnas eletrônicas. Mas, mesmo assim, desconfia delas. A confissão que interessa refere-se aos fundamentos da sua desconfiança. Bolsonaro, com seu linguajar de quiosque na Barra da Tijuca, revela não ter entendido a sua eleição para o mais importante cargo do país. Literalmente diz que um “fodido” como ele ter sido eleito foi uma “cagada” do sistema, “cagada do bem”, mas cagada. Um cochilo inimaginável da engrenagem. Ou seja, Bolsonaro não acreditava na sua eleição e continuou a considerar absurdo que tenha acontecido.

      Uma leitura radical, indo à raiz, da sua fala pode revelar um não dito: “Se eu fui eleito presidente da República por essas urnas eletrônicas, elas não podem ser confiáveis”. Nunca caiu a ficha para o deputado do baixo clero, elevado, de repente, ao topo do poder. Teriam as urnas falhado? Teriam entrado em estado de metástase, como diria o filósofo francês Jean Baudrillard, com os votos de Bolsonaro multiplicando-se como células doentes que não podem parar de se reproduzir? A hipótese contida nessa fala em que Bolsonaro foi o mais sincero possível sobre sua insignificância não conduz a uma fraude pela qual a extrema direita teria manipulado as urnas para eleger o seu azarão, mas à suposição de uma falha interna das máquinas.

      Nos confins da tortuosa mente de Bolsonaro só algo assim poderia justificar a sua eleição. Em qualquer situação do bom senso, isso não teria como acontecer. Ele mesmo não consegue imaginar pessoas sensatas, empresários racionais, líderes sociais, cidadãos pacatos, enfim, votando nele. A escolha difícil, enunciada em editorial pelo jornal O Estado de São Paulo, em condições normais de temperatura e política, seria muito fácil: entre um moderado professor universitário e um capitão quase expulso do exército e deputado com falas racistas, homofóbicas e elogios públicos a torturadores, venceria a ponderação. Talvez, tendo tomados seus remédios, Bolsonaro não votasse nele mesmo.

      Se a urna eletrônica lhe deu a vitória, então, definitivamente, ela não pode ser confiável. Se ela lhe deu a vitória, só pode ter falhas internas. Se tem falhas internas, deve ter outras falhas, podendo ser acessada de fora para dentro. O raciocínio do capitão, no seu estilo mais tradicional, parece enfatizar uma questão pretensamente lógica: só um dispositivo falho poderia dar-lhe a vitória numa eleição com 145 milhões de eleitores. Impossível que a maioria dessas pessoas não percebesse que ele não passava de um “fodido”, uma farsa, um provocador barato, um incompetente. Como Groucho Marx, que não aceitava entrar num clube que o aceitasse como sócio, Jair Bolsonaro não confia em urnas que lhe deem a vitória numa eleição majoritária nacional. Um vírus deve ter afetado a urna e nada foi capaz de evitar o resultado insano. Daí logicamente a razão para Bolsonaro também não acreditar em vacinas. Nada protegeu o país.

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