Juremir Machado da Silva

CPI do Apagão

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CPI do Apagão Foto: Marcela Donini

O temporal escancarou a incompetência da Equatorial. Caiu a casa. A empresa está pronta para gerir tempo bom. Se chove e venta, a casa cai. Quem paga a conta, os gaúchos. O mantra da privatização para tempos melhores não se confirmou. A pergunta agora é: o que fazer?

O deputado estadual Miguel Rossetto (PT) recolhe assinaturas para instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a qualidade dos serviços prestados pela Equatorial, que comprou a CEEE, e pela RGE. Até 1º de fevereiro de 2024, quando a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul voltará a ter sessões ordinárias, ele pretende ter as 19 assinaturas necessárias para que o processo investigatório possa começar. Até ontem, ele já contava com 18 nomes, entre parlamentares de esquerda e direita.

Segundo Rossetto, o gatilho para a necessidade de uma CPI veio, obviamente, do desastre que foi a atuação da Equatorial depois do temporal que atingiu o estado, com muita força em Porto Alegre, na terça-feira, 16 de janeiro. Mas Rossetto não pretende olhar para trás e tentar reverter a privatização da CEEE. Para ele, o importante é debater a qualidade dos serviços que estão sendo prestados. Por isso, por sugestão de prefeitos com os quais têm conversado, incluiu a RGE no requerimento de proposição da CPI. O objeto da CPI está definido assim: “Investigar as recorrentes falhas do serviço público concedido de distribuição de energia elétrica”. E que falhas! Uma semana depois do temporal ainda havia pessoas sem luz. O estrago foi enorme.

Em Cruzeiro do Sul, conforme Rossetto, ainda se estava despejando leite na rua por falta de energia elétrica que permitisse a conservação do produto. Ele mesmo esteve em Alvorada onde encontrou um vendedor de cachorro-quente que perdeu todo o seu estoque. Há de tudo, de pequenas a grandes perdas, sendo que as pequenas podem ser enormes para quem dependia do pouco que tinha para viver. Em Porto Alegre, um mercadinho em Santa Teresa aguardou uma semana para ter energia novamente. Esses são rápidos exemplos da tragédia que se abateu sobre o Rio Grande em função da falta de agilidade para reparar os serviços de distribuição da energia elétrica, o que afetou também a água.

O requerimento da CPI destaca que a Equatorial é “concessionária do serviço público de distribuição de energia elétrica em 72 municípios gaúchos nas regiões metropolitana, Centro-Sul, Campanha, Litoral Norte e Litoral Sul”. Já a RGE atende outros 381 municípios. Por que uma CPI? A resposta de Miguel Rossetto é clara: “O papel do poder legislativo é exercer plenamente sua atividade fiscalizatória”. Nesse sentido, o deputado salienta: “A Assembleia não pode se omitir”.

O governador Eduardo Leite criticou o que chamou de politização da crise. O consumidor só quer serviços eficientes. A ideia da privatização era justamente essa: privatiza que melhora. Esse era o bordão. Até agora, como qualquer um sabe, não melhorou. A CPI impõe-se como lugar privilegiado para a busca de respostas: o que houve? Falta de planejamento? Redução de custos com demissão de pessoal? Falta de estrutura para situações de intempérie? Quem são os responsáveis? Como evitar novas crises diante da inevitabilidade de outros temporais?

Não apoiar a CPI será uma mostra evidente de politização.

*

CIDADE EM COLAPSO: A CULPA NÃO É DAS ÁRVORES, É DA MÁ GESTÃO!

A Associação dos Técnicos de Nível Superior do Município de Porto Alegre (Astec) reafirma seu posicionamento sobre a necessidade de todos os serviços essenciais à população permanecerem sob controle público, geridos por técnicos capacitados e comprometidos com o interesse público. Diante do caos urbano provocado pelo último temporal, totalmente previsível, vimos a incapacidade de empresas privatizadas e terceirizadas para a resolução dos problemas de forma minimamente satisfatória. Em meio ao colapso, a cidade e os gestores ficam reféns de grupos privados sem a devida competência e um tanto desinteressados.

Empresas e gestores que privatizam e terceirizam serviços não assumem nem admitem sua responsabilidade, jogando a culpa nas árvores. As árvores não são culpadas. Vejamos o que aconteceu com a política de arborização nos últimos anos: o setor de Arborização Urbana da SMAM possuía cinco zonais constituídas por equipe técnica e equipes de serviço que atuavam regionalmente no planejamento, plantio, poda e remoção de árvores. Em 2017, as zonais foram extintas, os técnicos remanejados e as equipes de serviço desfeitas. Hoje, um número reduzido de técnicos atua basicamente no controle de contratos de empresas terceirizadas.

O apelo do prefeito Sebastião Melo para que a comunidade empreste ou doe motosserras ao município soa ridículo, visto que a própria administração, ao desmontar o setor de arborização, destruiu sua capacidade técnica e operacional de manutenção e de mitigação de danos. Atualmente, a atuação da Secretaria do Meio Ambiente é direcionada preferencialmente ao urbanismo, sendo a gestão do meio ambiente inexistente ou relegada a um plano inferior.

As privatizações e terceirizações da gestão dos serviços públicos em detrimento do fortalecimento do Poder Público gera a desvalorização dos servidores concursados, seja pelo arrocho salarial ou pela intervenção de cargos em comissão (CCs), e menospreza o caráter técnico, fazendo prevalecer o caráter político que prima pelo privado e não pelo coletivo.

A aventura desastrosa ocorrida com a venda da CEEE pelo governo estadual, resultando que boa parte da capital gaúcha permaneceu vários dias sem energia elétrica, comprova os malefícios da ideia privatista. Necessário lembrar que o processo de privatização da CEEE, que deixou milhares de pessoas às escuras e que prejudicou o fornecimento de água, contou com o voto favorável do atual prefeito, então deputado estadual Sebastião Melo.

A Astec reafirma que a intenção do prefeito Melo de privatizar ou conceder empresas e serviços como o DMAE a grupos empresariais trará malefícios à população e à cidade, visto que o planejamento visando ao lucro antecede o compromisso com o abastecimento.

A Astec conclama a sociedade a agir no sentido de evitar que casos de colapsos como o que acabamos de testemunhar se repitam em razão de irresponsabilidade de gestores que entregam serviços essenciais como energia, água, saúde e transporte ao mercado especulativo como fontes de lucro.

A culpa não é das árvores, é da má gestão. Precisamos redirecionar as gestões públicas para a correção do que não deu certo e evitar que os erros se repitam. E que nenhum prefeito, no futuro, precise solicitar à população empréstimos ou doações de carros-pipas ou ambulâncias devido a privatizações irresponsáveis. Roga-se que as decisões sejam embasadas em pareceres técnicos de profissionais qualificados como historicamente tem sido no município de Porto Alegre.

Porto Alegre, 24 de janeiro de 2024.

Diretoria Executiva da Astec

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