Juremir Machado da Silva

Equatorial ficou nua

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Equatorial ficou nua Foto: Cristiano Antunes / SMSURB / PMPA

Narrativa é o termo dos últimos anos. Os liberais gaúchos têm uma narrativa da qual nunca abrem mão: privatiza que melhora. Fazem crer que não há lugar no mundo com gestão pública eficiente. Assim, venderam o mito de que torrar a CEEE traria imediata eficiência ao serviço de energia elétrica no Rio Grande do Sul. Por trás dessa narrativa há um mistério. Na época de Leonel Brizola como governador do estado, podia estatizar que funcionava melhor. Mais de meio de século depois, com amplo desenvolvimento tecnológico, só a gestão privada funcionaria. Falta explicar esse nexo. Daí o paradoxo: a moderna Equatorial não está preparada para os tempos atuais.

Por que não? Porque não se planejou para as mudanças climáticas. Apenas isso. A Equatorial é brigadeiro que só sabe voar com tempo bom. Apresentou um plano de voo perfeito para lucrar muito sem intempérie. A fórmula mágica consiste em cortar pessoal para aumentar os ganhos dos acionistas. Se não chover nem ventar, o lucro é certo. Se o contrário acontecer, a tragédia fica com o consumidor de energia, o cidadão. Ainda tem gente em Porto Alegre sem luz desde a última terça-feira. Qualquer um de nós, quando falta energia, espera que o serviço seja normalizado o mais rápido possível. Como ficou sem equipes suficientes no Rio Grande do Sul, a Equatorial mandou vir técnico do Maranhão para resolver a parada em urgência. Só que a travessia do Maranhão a Porto Alegre leva quase um dia.

Em português de crise, faltou à Equatorial o que mais apresentou como argumento de venda (ou de compra a preço de banana): gestão, planejamento, conhecimento do cenário atual, capacidade de previsão, adequação aos desafios possíveis. E assim o pior aconteceu como não poderia deixar de ser. O enredo da Equatorial é tão ruim quanto o da novela global Terra e Paixão, cujos capítulos finais muita gente não viu por falta de energia elétrica. Antônio La Selva, o gângster do agronegócio, passou a novela inteira chamando o seu capanga de jumento. Qual seria o desfecho? Ramiro redimido mandando bala no ex-patrão, no capítulo final, ao ser chamado de jumento.

Narrativas dificilmente são renegadas. O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, vendedor convicto, mas sem plebiscito, do patrimônio público, mesmo nos serviços essenciais, afirma que a CEEE melhorou com a chegada da Equatorial e que as críticas ficam por conta da politização do jogo. Melhorou para quem? Em 43 anos de Porto Alegre, tendo visto temporais maiores, nunca tinha ficado três dias sem luz. Sou um sortudo. A luz voltou para nós na sexta-feira de noite. Para outros, ficou pelo caminho. Parece que em nosso caso o pessoal havia esquecido de levantar um disjuntor.

O rei está vestido. A Equatorial ficou nua: incompetente, sem planejamento, errática, indiferente, escondida até do prefeito de Porto Alegre, que pediu audiência pelo Twitter, incapaz de agir no menor tempo possível. É o que dá querer ganhar dinheiro fácil demais. Imaginem, entre nós, uma nevasca dessas que estão gelando os Estados Unidos! A energia sumia em cinco minutos e morríamos todos congelados. Não duvido que daqui a pouco a Equatorial peça ajuda ao Estado para recuperar seus lucros declarando estar no prejuízo devido a despesas com catástrofes naturais não informadas pelo governo na hora de fechar negócio. É melhor nem dar ideia. Cuidado!

Por fim, temos um caso midiático singular: quando tem sol, a empresa é chamada de Equatorial. Quando chove e falta energia, volta a ser CEEE.

Disso tudo eu tiro um dogma: venda de patrimônio público em serviço essencial precisa ser cláusula pétrea na Constituição: só com plebiscito.

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