Juremir Machado da Silva

Estamos macetando

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Estamos macetando E você, macetou no carnaval? | Foto: Prefeitura de Salvador

A palavra do momento é macetar. Tem gente macetando sem saber o que é macetar. A poderosa Anitta admitiu que desconhece o significado de macetar, mas que, se todo mundo fala, ela canta. Se todo mundo canta, ela fala. Se ninguém canta nem fala, ela cala. Ivete Sangalo botou a Bahia e o mundo, com o perdão da redundância, na ótica baiana, para macetar. Em Salvador, macetar rima com trio elétrico. Tem até sertanejo macetando. No carnaval muita gente macetou uma semana sem parar. Ou mais. Há quem jure que macetar tem cunho sexual, obsceno, pornográfico, imoral, decadente, indecente, ilegal, o escambau. Outros acreditam que macetar é palavra inocente, brejeira, safadinha, no máximo, não mais do que isso, um jeitinho de ser, sem ser, entendeu?

Andei macetando para entender como macetar deixou de ser o que era para se tornar o que agora é: o termo que põe todo mundo em movimento. Se Lula tivesse macetado um pouco mais talvez evitasse o rolo que armou com Israel. Jair Bolsonaro nunca soube macetar. No Rio Grande do Sul, embora macetar esteja na moda, a tendência natural é se dizer maceteando, do verbo macetear, como lagarteando e outros assim. Gaúcho maceta (ou maceteia) pouco por gostar de andar em linha reta. No dicionário, macetar é golpear alguém com um macete. Quando Ivete maceta não parece que esteja batendo em alguém, embora fique martelando durante horas o seu macetando irresistível e contagioso.

É incrível como uma palavra pode se espalhar como um vírus, sofrendo mutações mirabolantes e contaminar um país inteiro. Macetar é do bem. Ouvi uma conversa no ônibus, que voltei a usar, embora meio desajeitado, ainda mais tendo de ver o pobre do motorista cobrar a passagem e dirigir ao mesmo tempo. Bem, quase ao mesmo tempo.

– E aí, como foi o teu carnaval?

– Nossa, macetei demais. E tu?

– Macetei até me acabar.

Macetando, macetando, macetando. De banqueiro a gari, todo mundo macetou ou quer macetar. Nas redes sociais, influencer maceta e biscoita. Macetar e biscoitar não são, obviamente, a mesma coisa. Wallace Vianna, autor da letra da música “Ai, papai, macetei”, sucesso da sempre bem-sucedida Anitta, contou que sua filha Maitê, de seis anos, falou para ele, por telefone, enquanto jogava videogame: “Papai, aprendi um macete, macetei”. Pronto. O artista jogou fora um medíocre “gostosinho, te peguei” e cravou “ai, papai, macetei”. Começava a trajetória de um novo significado para macetar. Melhor, de muitos novos significados. Como a língua é do povo, o povo faz dela o que quer, rompendo a monotonia dos dicionários e a rigidez dos verbos.

A cultura brasileira se define pelo macete. Quem não maceta, se trumbica. Não era isso que dizia o Velho Guerreiro? Bem, não exatamente. Se não disse, podia ter dito. Gilberto Freyre também poderia ter definido o brasileiro como um malemolente maceteiro. Euclides da Cunha poderia ter dito que o nordestino é antes de tudo um forte maceteiro. Sérgio Buarque de Holanda, antes de se tornar apenas o pai de Chico Buarque, poderia ter visto que se o brasileiro não é um homem cordial, é um maceiteiro cordial. Acha atalhos com o coração. Vão indo, que eu vou macetar um pouco e volto com outro texto.

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