Juremir Machado da Silva

Exposição de André Parente cancelada no MACRS: artista e curadores alegam censura

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Exposição de André Parente cancelada no MACRS: artista e curadores alegam censura Imagens cedidas pelo artista

Artista do cinema e das novas mídias, André Parente é também professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Desmonumento, uma exposição dele, com curadoria de Ana Maio, Laura Cattani e Munir Klamt, deveria estrear no Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul (MACRS), na Casa de Cultura Mário Quintana, em 20 de julho deste ano. Não aconteceu. Segundo o artista e os curadores houve censura por razões políticas.

Em carta ao Comitê de Acervo e Curadoria do MACRS e à Secretária de Cultura do Estado do Rio Grande do Sul, os organizadores justificaram a decisão tomada:  “Após meses de tratativas e produção da exposição, os curadores foram informados, há poucas semanas da data prevista para sua abertura, que a série de moedas não poderia ser exposta. Sendo assim, fez-se imperativo consultar o artista, por entender que a supressão destas obras descaracterizava o próprio projeto e, de comum acordo, artista e curadores concluíram que seria inviável manter a exposição sem estas obras. Desta forma, optou-se por retirar o projeto de um espaço expositivo de âmbito estadual, como forma de realizá-lo na sua integralidade, com mais liberdade, em outra instância”. Por que essas “moedas” não podiam ser mostradas? Esse é o ponto a ser examinado.

A exposição apresentaria, entre as suas obras, bandeiras brasileiras com frases como “com o Supremo, com tudo” ou “passando a boiada” no lugar de “ordem e progresso”. Mostraria também “Lambes”, colagens em paredes ou muros próximos da Casa de Cultura Mário Quintana, como “a terra prometida” (um contêiner de lixo).

Além de fotografias de monumentos que desapareciam em quatro horas, como a estátua de Bento Gonçalves. E uma série de moedas, o “irreal”, com figuras políticas como Jair Bolsonaro numa face e o torturador Brilhante Ustra noutra. Ou Michel Temer e Eduardo Cunha.

Na carta, os curadores sustentaram: “Conforme projeto enviado no final de 2022, esta exposição estava centrada em obras cujo tema é a anomia que havia se apossado do Brasil nos últimos anos, traçando um panorama que passava pelo golpe que culminou com a deposição da Presidenta Dilma, pelos áudios vazados que revelavam tramas sórdidas, e por projetos de desinformação, como “Escola sem Partido”. 

Munir e Laura Cattani enfatizam que receberam de Adriana Boff, diretora do MACRS, o aceite para a exposição de André Parente, sendo que, mais tarde, surgiria a restrição relativa às “moedas”. André Parente pontua: “A questão a entender é por que esse projeto foi enviado para secretaria para uma consulta sobre os trabalhos depois que havia sido acordado em novembro de 22”. Segundo Adriana Boff, as decisões passam pelas instâncias da entidade. Haveria o temor de que as peças com rostos de figuras políticas pudessem ser depredadas.

André Parente, Munir e Laura Cattani afirmam que teriam sido acusados de “cavar uma situação para ficarem conhecidos nacionalmente por um eventual escândalo de censura”, a exemplo do que se dera com a Queermuseu, com curadoria de Gaudêncio Fidélis, no Santander, atacada por supostamente louvar pornografia, pedofilia e zoofilia.

O custo da exposição, segundo André Parente, seria de meros R$ 4 mil. A censura teria acontecido por se temer desagradar o eleitorado bolsonarista do presidenciável Eduardo Leite.

O que cada parte diz

Professora da Universidade de Rio Grande (FURG), Ana Maio é categórica: “Houve censura”. Laura Cattani e Munir Klamt, professor do departamento de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pensam da mesma forma. Eles citam outros dois casos de exposições que teriam tido problemas: “Entre Rios: Sul Terra Indígena” e “Ensaios Sobre Dádiva, Expurgo e Promessa”, de Renato Valle, com curadoria de Lilian Maus. Conforme Lilian o que houve, porém, no caso de Renato Valle, não foi uma censura governamental, mas uma decisão dela e do artista, antecipando em três dias o final da mostra, para evitar que fosse gravada uma live anunciada por um pastor determinado a denunciar suposto anticristianismo em certas obras. Lilian Maus entende que as restrições têm vindo muitas vezes de minorias que se sentem ofendidas pelo que é exposto em arte.

A posição oficial do MACRS

Nota Adriana Boff, diretora do MACRS:

“A decisão pelo cancelamento da exposição Desmonumento, prevista para ser instalada no MACRS, se deu por decisão unilateral do autor e do curador, o que a direção da instituição lamenta.

A direção do MACRS abriu debate com o curador referente à série intitulada “Conjes” em razão de sua condição frágil, que exigia um aparato expográfico que a protegesse. A obra era também a única do acervo expositivo que personalizava figuras públicas da esfera política, e abriu-se diálogo no sentido de colaborar para uma uniformidade do conjunto.”

Aceite oficial da exposição

“Boa tarde, Munir,

Para a realização da exposição o MACRS tem garantido o espaço da Galeria Xico Stockinger, a equipe de montagem do museu e uma diária da equipe externa de montagem, os adesivos com texto de parede, no formato padrão do Museu, as etiquetas e a sala preparada para montagem da exposição. Como já foi informado anteriormente, nós não temos orçamento do governo para o ano de 2023. Nossas exposições estão sendo realizadas através de parcerias.

Se para viabilizar a mostra o MACRS for responsável por todos estes itens, sugiro deixar a exposição para 2024 quando teremos orçamento e podemos fazer um contrato com o artista ou o curador. Infelizmente não temos recursos disponíveis para viabilizar esse projeto na sua integralidade. Abraco Adriana Boff.”

Olhar analítico

O psicanalista Edson Luiz André de Sousa escreveu um artigo, “A memória dos vulcões”, no qual louva a força do trabalho de André Parente e sua capacidade de desvelamento. Com o cancelamento da exposição, o texto não foi enviado para publicação. Um fragmento:

“Nomear estas contaminações e enfrentá-las com uma política de memória é a única forma de evitarmos estes bafos do porão que surgem sempre no horizonte.  André ativa com seu trabalho o compromisso que todos temos de testemunhar e fazer registros destes incêndios. Como é possível que em 2016 um deputado federal, em pleno Congresso Nacional, por ocasião do golpe que afastou Dilma Rousseff, tenha elogiado um dos mais terríveis torturadores, Carlos Brilhante Ustra e dois anos depois tenha chegado a Presidência da República?  Talvez para responder a esta pergunta, André concebeu um outro trabalho em formato de moeda “1 Bolsominion”. De um lado da moeda vemos Bolsonaro em sua vociferação habitual, de boca aberta e do outro o torturador Ustra, com seus óculos escuros. São os dois lados na mesma moeda fazendo circular a necropolítica na economia psíquica que ativou corações e mentes.”

Uma face da moeda basta.

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