Juremir Machado da Silva

Exposição na ABL e o aniversário do Correio do Povo

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Exposição na ABL e o aniversário do Correio do Povo Exposição Babel (in)finita | Foto: Divulgação

Sucesso na Academia Nacional de Medicina, no Rio de Janeiro, a exposição Babel (in)finita, com 300 obras raras do acervo do escritor, bibliófilo e médico Gilberto Schwartsmann, migrará para a Academia Brasileira de Letras. O convite foi feito por Merval Pereira, presidente da ABL. No conjunto impressionante de obras há edições de 500 anos atrás. Leitor contumaz de Dante, Proust e Borges, Schwartsmann delicia-se oferecendo ao público a divina em literatura numa biblioteca espelhada cujos reflexos se expandem com o universo. O curador chama-se Facundo Sarmiento.

Aniversário de um jornal

Ontem, 1º de outubro, o Correio do Povo completou 128 anos de idade. Fundado por Caldas Júnior em 1895, cujo pai fora executado pelos florianistas em Desterro, na revolução federalista de 1893-1895, o jornal nascera para ser independente de qualquer governo. Escrevi um livro sobre esse tema: Correio do Povo: a primeira semana de um jornal centenário (Sulina, 2015). No seu editorial inaugural de capa, o fundador escreveu: “Ficam definidos em poucas linhas os compromissos com que esta folha entra para o convívio do jornalismo rio-grandense”. Quem compromissos eram esses? Eis o principal: “O Correio do Povo será noticioso, literário e comercial, e ocupar-se-á de todos os assuntos de interesse geral, obedecendo à feição característica dos jornais modernos e só subordinando os seus intuitos às aspirações do bem público e do dever inherente às funcções da imprensa livre e independente”. O Correio do Povo recusava-se a ser partidário e faccioso.

O pluralismo era o norte deste jornal do sul: “O Correio do Povo aspira a honra de se fazer uma folha lida e apreciada por todos, e para isso não poupará esforços nem medirá sacrifícios. Jornal aberto a todas as manifestações do pensamento estas columnas estarão sempre francas a quantos queiram, com elevação de vistas, tratar de assumptos de interesse geral, discutindo idéas sobre política ou litteratura, industria ou commercio, sciencias ou artes?” Dizia mais o criador: “Este jornal vae ser feito para toda a massa, não para determinados indivíduos de uma única facção”.

Por fim, definia uma linha editorial revolucionária: “Emancipado de convencionalismos retrógrados e de paixões inferiores, procurará esclarecer imparcialmente, apreciando com isenção de espírito os successos que se forem desenrolando e os actos dos governantes para censural-os quando reprováveis ou aplaudil-os quando meritórios”. O que diria Caldas sobre o destino do seu jornal, transformado em porta-voz do bolsonarismo mais faccioso?

Como escreviam muitos jornais da época? A Federação, órgão máximo do positivismo republicano racionalista, dedicou à morte do inimigo Gumercindo Saraiva algumas linhas que resumem o jornalismo panfletário de Júlio de Castilhos e do seu tempo: “Pesada como os Andes, te seja a terra que o teu cadáver maldito profanou… Caiam sobre essa cova asquerosa todas as mágoas concentradas das mães que sacrificaste, das esposas que ofendeste, das virgens que poluíste, besta-fera do sul, carrasco do Rio Grande”.

Voltamos, em algum momento, ao pior do século XIX?

Um naco de história

Quando penso em Caldas Júnior, releio o que publiquei no meu livro sobre o Correio do Povo e admiro ainda mais esse grande empreendedor:

“Imaginaria Caldas Júnior o pai sendo levado à presença de Moreira Cesar, como conta Galvani, sendo reconhecido como delegado ou Chefe de Polícia e, prontamente, por ordem indiscutível do comandante, na sua arrogância suprema, recebendo castigos exemplares? Que exemplo seria esse? De crueldade, injustiça ou falta de clemência com um preso indefeso?

Poderia o filho pensar numa sequência de crueldades, o desespero, o sofrimento, a esperança e, por fim, uma lança ferindo o corpo do pai e uma bala arrancando-lhe o último suspiro antes de seu corpo ser jogado no canal, expelido para ser comido por peixes ou, quem sabe, quando não se sabe, enterrado numa vala qualquer com outros executados por ter cometido o crime hediondo de contestar a ditadura de Floriano Peixoto?

Poderia Caldas Júnior imaginar que na primeira edição do seu Correio do Povo noticiaria o traslado, em 29 de setembro de 1895, do corpo de Floriano Peixoto, no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, para um sarcófago especialmente construído? Ele, Caldas Júnior, que não pudera sepultar o corpo do pai, morto pelos esbirros de Floriano, inauguraria o seu jornal dando espaço para o túmulo do militar que só podia odiar. Certamente ao determinar que essa notícia saísse na página 2 da primeira edição do seu jornal, sereno ou contido, pensou em tudo isso, imaginando, talvez, inclusive a Fortaleza de Santa Cruz, de inspiração renascentista, que não conhecia, onde seu pai fora sacrificado, a notícia só lhe chegando uma semana depois. Anhatomorim, que mais tarde passaria a pertencer ao município catarinense de Celso Ramos, nunca lhe sairia dessa sua memória sem imagens.”

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