Juremir Machado da Silva

Contos provocativos

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Contos provocativos Foto: Arquivo pessoal

No sábado, fizemos programa completo: lançamento de livro e festa junina. Ou, melhor, julina. Tudo no Bom Fim. No Grande Bom Fim. O lançamento, do Luiz Maurício Azevedo, “Baldeação” (Cultura), foi na ótima livraria Paralelo 30, que fica na Vieira de Castro, quase no Brique da Redenção, de frente para o Colégio Militar. A festa julina foi na Giordano Bruno. É tudo Bom Fim. Nada de Farroupilha e Rio Branco. Não existe nem mesmo o Parque Farroupilha. Tudo isso é ficção. Os limites do Bom Fim são os seguintes: da Sarmento Leite até o viaduto da Mariante; da Vasco da Gama até a João Pessoa, no lado da Redenção. Mas tem um dente, que é Santana. O Bom Fim é autossuficiente: tem universidade, hospital, livraria, restaurante, parque, casa de espetáculo, partido político, etc. Pode se emancipar.

Feito esse longo nariz de cera geopolítico municipal, vamos ao que interessa. Comecei a ler “Baldeação” na fila de autógrafos. Isso diz muito sobre a extensão dos contos e da fila: contos curtos, fila longa. É falsa a ideia que para ser bom precisa ser longo e demorado para fazer. Franz Kakfa escreveu as cerca de 90 páginas de “A metamorfose” em vinte dias. Ficou longo para as revistas da época. Ele achou que levaria menos tempo para terminar. “Baldeação” tem contos muito curtos. Livro de um escritor negro, um dos contos conta a história de um cara que foi um autor negro. Não quis mais ser. Livre, leve e solto, Luiz Maurício ironiza o politicamente correto, desnuda o racismo que se infiltra por toda parte e defende com elegância a liberdade de escrever sem rótulos e sem obrigações políticas.

“Urso em silêncio” faz uma sátira adstringente (uso essa palavra ao acaso só para evitar o termo corrosivo, que sempre acompanha sátira nas resenhas de jornal) dos modismos no mundo das artes plásticas. “Legado” começa assim: “Eu nunca tinha visto um anão. Tinha ouvido falar e sabia que eles viviam na Vila da Quinta. Mas eu tinha dez anos”. O leitor fica sabendo que o autor está disposto a tudo, até mesmo, como em “Retaliação”, a terminar provocando a religião dos “estudos culturais”, atual roupagem internacional do marxismo acadêmico: “Fica aqui o registro das mulheres negras que foram apagadas pelo machismo estrutural. Não vou citá-las nominalmente, porque acredito que minha presença neste palco já é uma vitória para elas. Muito obrigado a todes!” De fato, é de faca na bota.

Já disse ao Luiz Maurício que ele pode ser o novo Antônio Cândido, considerado o maior crítico literário brasileiro de todos os tempos. Um Antônio Cândido negro. Maior até do que o Luís Augusto Fischer no Rio Grande do Sul. Acho que ele prefere ser ele mesmo. Além disso, como eu, atreve-se a fazer teoria e ficção. Nada enfurece mais os modernos do que essa ousadia, digamos, genérica. A modernidade como projeto estético só acredita em especialistas, de preferência de um livro só, de um gênero só, de uma só obsessão, etc. O que fazer dos autores fluidos? Bravo, Luiz Maurício!


Schwartsmann na Academia Rio-grandense de Letras

Porto Alegre pulsa. Para isso, como toda cidade que sonha, conta com o trabalho dos que a amam e a ela se entregam. Parece idealização, mas é assim mesmo que acontece. Nada pulsa por acaso. Cada obra exige um ato de paixão. Cada gesto depende da crença na força da cultura.

Médico e escritor, Gilberto Schwartsmann tem dado sangue, suor, erudição e ideias frutíferas para a capital gaúcha. Como presidente da Associação dos Amigos do Theatro São Pedro, ajudou a liberar recursos para a finalização do complexo Multipalco. Como presidente da Associação dos Amigos da Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul, tendo como vice Alcides Stumpf, foi curador da exposição Caminhos de Proust, uma joia com documentos originais que trouxe a Porto Alegre vários membros da Academia Brasileira de Letras. Foi convidado em público pelo governador Eduardo Leite a assumir a presidência da OSPA. Topou. Na última semana, foi anunciado como novo membro da Academia Rio-Grandense de Letras, na cadeira 32, que tem Pedro Velho como patrono. Gilberto Schartsmman é autor, entre outras obras, de “A amante de Proust”, “Meus olhos”, “Acta diurna”, “Max e os demônios”, “Divina rima” e “Gabinete de curiosidades”, todos pela editora Sulina.


Tambor tribal

Lula esteve em Porto Alegre no dia em que o Tribunal Superior Eleitoral tornou Jair Bolsonaro inelegível. O presidente esteve no Hospital de Clínicas, ampliado graças à liberação durante os governos do Partido dos Trabalhadores. Ao saber que o capitão estava fora do jogo um dos presentes exclamou: “Ah, como o mundo dá voltas”.

Na visita ao Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Lula ouviu o depoimento de uma estudante de medicina. Pode ser mais emocionante?


Parêntese da semana

A revista Parêntese está de cara nova: “A partir de agora, a revista passa a ter uma edição mensal, conduzida por uma pergunta que nos parece pertinente dentro do cenário contemporâneo e que questiona coisas latentes que gostaríamos de iluminar”. Luís Augusto Fischer vai passar um semestre como professor visitante na universidade de Princeton. Luísa Kiefer assume a editoria da Parêntese: “Seguimos iluminando o pensamento, procurando a cultura como caminho para compreender os acontecimentos do mundo, como alimento para alma, como forma de criar diálogos com o diferente e compreender que vivemos em um mundo grande, vasto e diverso”. Nesta primeira edição renovada a pergunta é: “Você vai sentir falta do frio”?


Frase do Noites

“Tantas fez o louco contra as urnas eletrônicas que foi aliviado de ter seu nome nelas. Agora já pode descansar em casa sem paz.”


Imagens e imaginários

No Pensando Bem, parceria do Matinal/Parêntese e da Cubo Play, que vai ao na FM Cultura 107,7, todo sábado às 9h, Nando Gross, Luís Augusto Fischer e eu conversamos com a cantora gaúcha Glau Barros. Uma entrevista sobre sua carreira, racismo, o lugar do Rio Grande do Sul na música brasileira, a falta de espaço de mídia para o artista gaúcho, desafios, perrengues, lutas e muito mais. De quebra, Glau, com Nando Gross ao violão, canta Lupicínio Rodrigues. Vamos lá.


Escuta essa

Glau Barros em apresentação soberba no Theatro São Pedro:

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