Juremir Machado da Silva

Geração da pegada

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Geração da pegada Foto: Divulgação

Há quem adore classificar. Assim surge o abecedário das gerações. A bola da vez é a Geração Z. O método tem o inconveniente de homogeneizar. De toda maneira, ao contrário do que o lugar comum apregoa, não existe uma subjetividade plena para cada pessoa. Em geral, muitas pessoas compartilham um mesmo imaginário, que resulta do encontro do que o papa do imaginário, Gilbert Durand, chama de “pulsões subjetivas” e “intimações objetivas”. O que vem de dentro e o que vem de fora. A tal Geração Z parece pouco poética e muito aderente a uma pegada forte. Direto ao ponto. Sem enrolação.

Na literatura, o que conta não é mais, como ainda imaginam os teóricos modernos, a construção de um tipo de personagem “redondo”, complexo, contraditório, mas simplesmente a expressão de um comportamento firme, frontal, quase raso. Uma ideia capaz de provocar polêmica. Um ponto de vista legitimável. Chegamos ao apogeu da era do engajamento. Em letras de música está em alta o papo reto, do tipo “eu vou gozar na sua boca”. Cada geração com os seus gostos, que costumam ser os gostos ampliados pelo capitalismo do imaginário. As velhas gerações ficam estarrecidas com o mau gosto musical de grande parte da juventude atual. Luísa Sonza diz que é ignorância. Críticos constrangidos cochicham: queria ver cantar sem mostrar a bunda. Mas mostrar a bunda faz parte da pegada, do ar do tempo, da atmosfera afirmativa.

O capitalismo do imaginário, que alguns preferem continuar chamando de indústria cultural, não tem preocupações filosóficas. Basta-lhe identificar o que está sendo consumido e servir mais. Não lhe interessa contestar gostos ou mudá-los. Só lhe importa faturar dando ao cliente o que o cliente gosta. O sertanejo vende. Mais sertanejo então. Qualquer reticência diante da pobreza aparente da estética sertaneja será vista como inadequação geracional, uma forma de etarismo de segundo grau. Além disso, uma equivalência será construída: os velhos de hoje não gostam dos gostos dos jovens assim como os velhos de ontem não gostavam dos gostos dos jovens daquela época. E assim o sertanejo vira o novo rock. Um incompreendido.

Os mais otimistas enxergam no momento atual uma democratização radical do gosto: nunca tantos artistas de poucos recursos vocais ou instrumentais alcançaram tanta projeção. O sucesso ao alcance de todos. Os pessimistas veem um esgotamento da criatividade atrelado a uma espécie de demagogia estética. Chega a existir reação à educação do gosto, vista como adestramento ou domesticação, sendo que só o gosto espontâneo seria legítimo. Categorias, porém, continuam produzindo classificações. É gosto “nichado”. Jovens versus velhos. Esses seriam os dois maiores nichos.

Em sociedades de massa, gosto de massa. O paradoxo da sociedade de massa atual é que ela se apresenta como sociedade de segmentos e até se vê como o fim da era da massa, substituída pela customização, novo nome da singularização, só que uma singularização por pacotes. De eterno só há uma coisa: velhas e novas gerações continuam a não se entender. Eis a novidade.

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