Juremir Machado da Silva

Globo na Sapucaí: jornalismo sem jornalistas

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Globo na Sapucaí: jornalismo sem jornalistas

A grande inovação do carnaval 2024 veio da televisão. A Rede Globo radicalizou no que deve ter pensando como evolução: jornalismo sem jornalistas na rua. Na cobertura ao vivo dos desfiles da Sapucaí, a Globo trocou jornalistas por gente do entretenimento. Resultado: as notícias ficaram fora do evento. Ou só apareceram nos telejornais do dia seguinte, que tinham repórteres colhendo informações. Jornalismo e entretenimento não são a mesma coisa, ainda que se possa adotar uma apresentação de acontecimentos cada vez mais informal e leve.

Influenciador digital não é necessariamente repórter. Pode até vir a ser. Atriz não substitui de modo automático jornalista. Sabe-se que a Globo queria faturar o máximo possível e que, por contrato, seus jornalistas não podem fazer merchandising. Porém, foi mais do que isso. Apostou-se na ideia de que entretenimento deve ser apresentado como entretenimento e por quem se dedica a entreter. Um veículo é como um hipermercado. Tem espaço para tudo. Em cada gôndola, um produto. Sempre foi assim. O Correio do Povo, de Porto Alegre, teve a sua primeira edição em 1º de outubro de 1895. Apresentou-se prontamente como “noticioso, comercial e literário”. Ou seja, faria jornalismo, não se atrelaria a partido político ou causa e ofereceria os entretimentos da época. O que se pode aprender com esse exemplo?

Simples: a prateleira do jornalismo precisa oferecer jornalismo. Andam dizendo por aí que o jornalismo morreu. É fakenews. Pode ser que os hipermercados jornalísticos, os veículos, estejam mais interessados, por mais rentável, em entretenimento. O jornalismo, porém, continua existindo, sendo fundamental e incontornável. Ao não colocar repórteres na Sapucaí, a Globo confundiu seus produtos. A primeira escola, Porto da Pedra, estava na avenida já fazia dez minutos e os apresentadores no camarote não sabiam. As celebridades encarregadas de entrevistar celebridades da própria Globo não estavam ligadas em fatos negativos ou noticiosos: atraso, atropelamento de folião por carro alegórico, desabamento de alegoria na cara dos jurados, etc. Afinal, havia muita estrela para tietar e fazer brilhar.

Balanço da inovação global: um carnaval de perguntas óbvias, falta de informação básica, ausência de formação para entrevistas, inexistência de senso de reportagem, desconhecimento da pauta, anedotas sem graça, o meio, como dizia Jean Baudrillard, tomando-se pelo acontecimento. Não dá para imaginar uma sociedade democrática sem jornalismo. Sempre haverá algo que alguém gostaria de encobrir a ser descoberto e noticiado. Não é preciso apresentar gol de gravata nem desfile de carnaval com voz enlutada de locutor de antigamente. Mas nem só das pernas nuas das celebridades do BBB e das novelas se faz uma cobertura jornalística de carnaval. O paradoxo do jornalismo de eventos de entretenimento é este mesmo: assumir a descontração do acontecimento sem deixar de revelar as falhas que os organizadores adorariam suprimir. O telespectador dormiu ignorando quase tudo.

Tudo mesmo. Inclusive as complexidades das histórias de cada tema e das alegorias das escolas. Não me lembro de ter ouvido informação sobre o valor pago – R$ 8 milhões – pela prefeitura de Alagoas para a Beija-Flor cantá-la em samba, fantasias e bajulações. Jornalistas são chatos. Muito chatos! Até na hora do gozo querem explicações, dados, informações preciosas. De certo modo, polianamente falando, a Globo prestou um bom serviço ao jornalismo tirando seus jornalistas da cobertura ao vivo do desfile carioca. Graças a isso alguns puderam ver que sem jornalista não tem jornalismo. Fato.

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