Juremir Machado da Silva

Graciliano Ramos, prefeito escritor

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Graciliano Ramos, prefeito escritor
Nascido em Quebrangulo, Alagoas, Graciliano Ramos seria prefeito da vizinha Palmeira dos Índios, de janeiro de 1928 a abril de 1930. Um curto período para uma experiência marcante. A Record publicou recentemente dois relatórios feitos por esse gestor improvável, eficiente e irônico. Eu li O prefeito escritor, dois relatos de uma administração, que tem prefácio do presidente Lula, e me deliciei com o humor do prefeito Graciliano. Para um prefeito escritor, um prefaciador presidente. O texto assinado por Lula termina com uma sacada que talvez o presidente queira ter com epitáfio: “Ou seja, a obra-prima do prefeito Graciliano Ramos foi colocar os pobres no orçamento e os ricos no imposto de renda”. Por que isso? Por Graciliano ter dito: “Fiz apenas isto: extingui favores largamente concedidos a pessoas que não precisavam deles e pus termo às extorsões que afligiam os matutos de pequeno valor, ordinariamente raspados, escorchados, esbugalhados pelos exatores”. Nem tudo muda. Quem lê os informes de Graciliano Ramos ao governador de Alagoas, feitos em 1929 e em 1930, sente que a administração pública tinha tudo para perder um bom prefeito para a grande literatura. O relator honesto avisa: “Isto é, pois, uma reprodução de fatos que já narrei, com algarismos e prosa de guarda-livros, em numerosos balancetes que os acompanharam”. Era um sinal da modéstia que sempre acompanharia o prosador de escol. Ele odiaria uma expressão como essa a seu respeito. Numa nota de realismo fantástico, ou de fantástico realismo, lê-se: “Pensei em construir um novo cemitério, pois o que temos dentro em pouco será insuficiente, mas os trabalhos a que me aventurei, necessários aos vivos, não me permitiram a execução de uma obra, embora útil, prorrogável. Os mortos esperarão mais algum tempo. São munícipes que não reclamam”. O perigo são os vivos. Olhe, leitor, que coisas impressionantes aconteciam naquela época: “A Prefeitura foi intrujada quando, em 1920, aqui se firmou um contrato para o fornecimento de luz. Apesar de ser o negócio referente à claridade, julgo que assinaram aquilo às escuras. É um bluff. Pagamos até a luz que a lua nos dá”. Como se vê, as parcerias público-privadas são ideias luminosas de longa data. Impiedoso, o prefeito zomba de uma escola subvencionada para adultos: “Não creio que os alunos aprendam ali grande coisa. Obterão, contudo, a habilidade precisa para ler jornais e almanaques, discutir política e decorar sonetos, passatempos acessíveis a qualquer roceiro”. Era tudo que a elite sabia e era tudo que não queria que o roceiro soubesse. Quem tem estilo o pratica até em bula de remédio ou em relatório para governador não ler. O prefeito tinha problema de estradas para resolver: “O caminho que vai para Quebrangulo, por exemplo, original produto da engenharia tupi, tem lugares que só podem ser transitados por automóvel e por lagartixa”. Não lembra ainda algumas das nossas estradas? Não estou falando dos estragos das enchentes. O espírito crítico de Graciliano quanto às graves desigualdades sociais da época aparecia até em nota de rodapé como relativização dos seus feitos […]

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