Juremir Machado da Silva

Ideologia de gênero e guerra cultural

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Ideologia de gênero e guerra cultural Foto: Diario UChile

Li Quem tem medo do gênero? (Boitempo, com distribuição da Bússola no Rio Grande do Sul). Judith Butler é de faca na bota. Chama nos tentos e rebate argumento por argumento. Ao leitor como eu resta sempre a força da expressão. O que se quer dizer? Como se é entendido? Quando o pensamento se torna uma obsessão de quem o nega, o seu sucesso está assegurado. Nem tudo vem do mesmo centro emissor. Tudo, porém, sofre um processo de mistura e combustão. Judith Butler e gênero tornaram-se sinônimo de ataque aos valores ocidentais. Fantasia, ameaça real, loucura, delírio ou exploração política?

Em linguagem simples e cristalina, Judith Butler enfrenta os principais críticos das suas ideias. Mais do que isso, luta contra ideias que lhe atribuem na formação do bolo a ser rejeitado. Polêmica não é problema para ela, ainda que se mostre avessa às tantas baixarias que a extrema direita proporciona quando entra nessa discussão tentando fazer crer que o caos sexual está sendo instalado. Já na introdução, ela cerca os pontos essenciais: “Por que alguém teria medo do gênero? Ao menos nos Estados Unidos, o termo tem sido considerado, até recentemente bastante corriqueiro”. Tinha sido. Não é mais. Gênero virou o terror de muitos. Como foi que isso aconteceu?

Para Butler, ao longo do governo de Donaldo Trump, nos Estados Unidos, traçou-se uma guerra que passava pela Suprema Corte. “Não pode haver discriminação com base no sexo caso o sexo seja definido de uma forma que não abarque as condições trans, queer, lésbica, gay, intersexo”. Mais: “A liberdade de discriminar estava supostamente assegurada pela alegação oficial de que o gênero nada mais é do que sexo. Se a alegação tivesse sido bem-sucedida, o gênero seria desnecessário e a discriminação contra quem se afastasse da atribuição sexual original seria entendida como uma liberdade. O governo Trump autorizou os intolerantes ao confirmar que práticas homofóbicas e transfóbicas poderiam proliferar sem intervenção da lei e que os alvos de tais práticas não só deveriam permanecer desprotegidos contra quem agisse contra eles, muitas vezes de forma violenta, como passariam a ser abandonados à discriminação pelo governo”. Errou-se o alvo.

Acertou-se o espantalho, que continua agitando os braços. Para Butler o foco não está em determinação ou escolha, mas em deixar viver quem se vê desta ou daquela maneira: “O projeto de reconduzir o mundo a um tempo anterior ao ‘gênero’ promete o retorno a uma sonhada ordem patriarcal que pode nunca ter existido, mas que ocupa o lugar da ‘história’ ou da ‘natureza’”. A natureza é o último reduto do simbólico quando se pretende que este tenha a solidez de uma tese. O mundo não está se desmanchando no ar. Certa concepção de mundo parece não suportar a ampliação do campo das possibilidades existenciais. Tudo se resume, em certo sentido, a viver e deixar viver o que faz bem a quem se reconhece nessa vivência sem que isso faça mal a terceiros.

Evidentemente que o ofendido falará em grande mal.

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