Juremir Machado da Silva

Imagens de uma tragédia esperada

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Imagens de uma tragédia esperada Bairro Mathias Velho, em Canoas, ficou debaixo d'água | Fotos: Gustavo Mansur/ Palácio Piratini

O aquecimento global é o resultado de um padrão mundial, embora desigual, de produção e consumo. A humanidade assina essa dívida. Certos setores atuam na linha de frente desse frenesi que é a dupla produtivismo/consumismo. Desmatar, cimentar, edificar e avançar sobre o espaço natural, tomado como submisso, passivo e imutável, são as palavras de ordem do progressismo moderno. A conta tem chegado. Existiram catástrofes climáticas antes? Evidentemente. Porto Alegre, por exemplo, poderia ter aprendido muito mais com as enchentes de 1941 e 1967. Se construiu um sistema de proteção, não fez adequadamente a sua manutenção. Como por toda parte, no Rio Grande do Sul, o ser humano avançou sobre margens de rios, florestas, encostas e morros.

Pode-se alegar que no passado não se tinha consciência do impacto humano sobre a natureza. Faz algumas décadas que o alerta foi dado. O produtivismo adotou o negacionismo. O consumismo esconde a cabeça na areia. Mesmo que o ser humano nada tivesse a ver com as mudanças climáticas, o que a ciência já mostrou ser falso, proteger-se contra intempéries passa por uma série de medidas possíveis e eficazes como não desmatar margens de rios, não construir em área tomadas aos cursos de água, não ocupar encostas de morros. Uma teoria acadêmica sustenta que o Guaíba é um lago. Até aí tudo bem. Como a legislação federal permite construir a 30 metros das margens de lagos e a 600 metros das margens dos rios, a teoria foi abraçada por políticos e empresários, tornando-se um dogma conveniente. Isso é só um exemplo de como se dá a relação humana com a natureza em nossos contextos.

Já temos tecnologia para produzir a energia limpa necessária ao consumo humano. Sabemos fabricar sacolas de materiais biodegradáveis. Compreendemos a importância de tratar o lixo produzido e de não o deixar ao léu. Apesar disso e muitos mais, continuamos a entupir bueiros nas cidades, poluir rios e mares com sacos e objetos plásticos, produzir energia a partir de matérias fósseis, erguer construções em série à margem de rios, desmatar freneticamente e outras coisas do gênero. Governos de direita e esquerda acabam por se parecer um pouco na hora de explorar ou não áreas naturais sensíveis. Discurso é uma coisa, prática, bem outra. Basta dizer que há quem defenda, na esquerda, explorar petróleo na foz do Amazonas.

O produtivismo tem seu discurso infalível: produzir riqueza e empregos. O consumismo tem a sua racionalização incontornável: queremos todo o conforto que os cidadãos dos países ricos desfrutam. Virar o jogo como forma de proteção passa por uma mudança de paradigma civilizacional. Viver de outro modo. Isso tem um custo? Uns não querem pagá-lo para não sair da zona confortável de fruição. Outros, por uma razão ainda mais poderosa: o lucro auferido com o modelo atual. O aviso está dado: vem mais por aí. Fala-se em “novo normal”. O que será feito? Já há quem queria vender para Porto Alegre um novo sistema de proteção contra as águas do rio Guaíba. Fazer a manutenção do velho não bastaria? Talvez. Mas há sempre quem pretenda ganhar com a desgraça alheia, ainda mais quando ela é coletiva. Qual a contribuições dos setores mais favorecidos, no campo e nas cidades, pelo avanço sobre a natureza para o enfrentamento à tragédia atual?

Tambor tribal (Gratidão ao muro da Mauá)

A palavra da moda é gratidão. Tomou o lugar de obrigado. Gratidão ao muro da Mauá, em Porto Alegre. Mesmo que as comportas não tenham funcionado corretamente, por falta de manutenção, durante os tristes dias de temporal no Rio Grande do Sul, o velho muro contestado segurou a água no peito áspero. Digam o que disserem seus inimigos, sem ele, que, de fato, é feio e esconde a beleza do rio Guaíba, que essa história de lago é para lá de duvidosa, o estrago teria sido muito maior. Dificilmente alguém poderá a partir de agora pedir que seja derrubado. O muro fará parte da nossa paisagem assim como as lembranças e notícias das grandes enchentes de 1941, 1967 e 2024.

Frase do Noites

O iluminista em tempos difíceis, mas previsíveis: “Quem semeia cimento à margem dos rios, colhe os estragos das tempestades”.

Imagens e imaginários

No Pensando Bem, que vai ar todo sábado, 9 horas, na FM Cultura, 107,7, em parceria com a Matinal, a revista Parêntese e a Cubo Play, e apoio da Adufrgs Sindical, Nando Gross e eu entrevistamos o jornalista Marco Antônio Villalobos, que esteve em Portugal acompanhando as comemorações dos 50 anos da Revolução dos Cravos e conta dos seus encontros com Dona Celeste, a mulher que distribuiu cravos para os militares rebelados contra a ditadura, em 25 de abril de 1974.

Escuta essa

Na onda da Madonna em Copacabana, com seu provocativo teatro cantado, por que não um dos grandes sucessos da diva pop: “Like a prayer” (como uma oração):

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