Jejum intermitente
Madrugada na cozinha da Casa Branca. Joe Biden buscava um copo de leite. Acabou por se servir de um copo de água. Vida dura.
— Precisamos fazer alguma coisa para deter a ação nefasta e cada vez mais disseminada dos radicais livres – diz.
— Falta informação à maioria – comenta Jill.
— Temos de melhorar nossos serviços de informação.
— Poucos sabem com o que estão lidando – insiste Jill.
— Desconhecem o perigo. Isso atinge o coração de todos.
— O mar não está para peixe – Jill permite-se um clichê.
— Os tubarões fazem o que bem entendem. Não há tecido que resista a ataques nervosos e contínuos – Joe também gosta de um lugar-comum.
— É uma questão de regime – afirma Jill.
— Regimes podem ser duros, mas devem ser tolerantes. As populações não suportam mais regimes que surgem do nada, prometem aliviá-las de todos os pesos e só deixam sequelas. Regime não é moda. Basta de fórmulas mágicas e de promessas messiânicas. Precisamos cortar na própria carne, doa a quem doer, ou seja, em nós mesmos – diz Joe.
— Sinto dizer, mas um regime capaz de combater eficazmente os radicais é como uma ditadura impiedosa e hermética: exige normas de exceção e comportamentos rigorosos. A lei é uma só e não admite réplicas: fechar a boca – Jill pode ser de uma geopolítica categórica e terminal.
— Sou contra qualquer tipo de censura. Mas em casos muito graves, é o único jeito de andar na linha – confessa Joe. É madrugada na cozinha.
— O mundo precisa de uma lipoaspiração – suspira Jill.
— O mundo precisa cuidar melhor dos seus órgãos vitais.
— Passamos dos regimes ditatoriais à ditadura dos regimes.
— Bons regimes melhoram a circulação global – filosofa Joe.
— Implicam um perfil mais vertical para todos.
— É o preço a pagar. Há um inchaço internacional. As nações não conseguem mais suportar o peso dessa nova realidade visceral e mórbida. Estamos quase numa metástase – suspira Joe.
— Faltam terapias de choque. Cada império tem o seu mal.
— É mais do que isso: é uma questão de saúde pública.
— Isso mesmo: não existe mais corpo privado.
— Ainda mais em se tratando do corpo social.
— Exatamente, é o que digo, num mundo de visibilidade e de transparência: o corpo é sempre social. Exposto.
— Está visto: precisamos mudar de regime.
— Ao menos de cardápio.
— Não há organismo que resista à ação desses radicais.
— Livres.
— Incontroláveis.
— É indigesto.
— Temos de bombardeá-los e estabelecer um cordão sanitário.
— Mas não um muro.
— Nem me fale disso. Como fronteiras impermeáveis, necessitamos de novas barreiras orgânicas de proteção, mas barreiras inteligentes.
— Em certas regiões do mundo, como na África, o problema é mais embaixo, é de abastecimento.
— Cabe a nós, países desenvolvidos, abastecer o mundo com valores sadios e regimes eficientes e de resultados.
— O negócio é cortar as gorduras.
— Falar assim não resolveria nada. Isso não seria politicamente correto e acarretaria graves efeitos colaterais. Só criaria confusão e aumentaria os preconceitos. Cortar gorduras poderia levar à inanição e paralisar os bons combates. Temos é de conservar as mãos livres para baixar a temperatura.
— Ao menos, o teor calórico.
— Precisamos voltar à mesa com outra postura.
— Com menos apetite.
— É uma questão de cozinha internacional.
— Eu diria, se me permite, de mudar o paladar.
— Novas receitas para o imaginário coletivo.
— Outra dieta.
— Sim, a imagem é boa, uma dieta civilizatória.
— Menos ácida.
— Mais temperada. Mas consistente.
— Diga-me qual o teu regime e direi quem és.
— Confúcio?
— Está frio.
— Putin?
— Gelado.
– Lula?
— Jejum intermitente.
É incrível como tudo se recicla e retorna com novos temperos.