Juremir Machado da Silva

Jejum intermitente

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Jejum intermitente Foto: Markus Spiske/Pexels

Madrugada na cozinha da Casa Branca. Joe Biden buscava um copo de leite. Acabou por se servir de um copo de água. Vida dura.

— Precisamos fazer alguma coisa para deter a ação nefasta e cada vez mais disseminada dos radicais livres – diz.

— Falta informação à maioria – comenta Jill.

— Temos de melhorar nossos serviços de informação.

— Poucos sabem com o que estão lidando – insiste Jill.

— Desconhecem o perigo. Isso atinge o coração de todos.

— O mar não está para peixe – Jill permite-se um clichê.

— Os tubarões fazem o que bem entendem. Não há tecido que resista a ataques nervosos e contínuos – Joe também gosta de um lugar-comum. 

— É uma questão de regime – afirma Jill.

— Regimes podem ser duros, mas devem ser tolerantes. As populações não suportam mais regimes que surgem do nada, prometem aliviá-las de todos os pesos e só deixam sequelas. Regime não é moda. Basta de fórmulas mágicas e de promessas messiânicas. Precisamos cortar na própria carne, doa a quem doer, ou seja, em nós mesmos – diz Joe. 

— Sinto dizer, mas um regime capaz de combater eficazmente os radicais é como uma ditadura impiedosa e hermética: exige normas de exceção e comportamentos rigorosos. A lei é uma só e não admite réplicas: fechar a boca – Jill pode ser de uma geopolítica categórica e terminal.

— Sou contra qualquer tipo de censura. Mas em casos muito graves, é o único jeito de andar na linha – confessa Joe. É madrugada na cozinha. 

— O mundo precisa de uma lipoaspiração – suspira Jill.

— O mundo precisa cuidar melhor dos seus órgãos vitais.

— Passamos dos regimes ditatoriais à ditadura dos regimes.

— Bons regimes melhoram a circulação global – filosofa Joe.

— Implicam um perfil mais vertical para todos.

— É o preço a pagar. Há um inchaço internacional. As nações não conseguem mais suportar o peso dessa nova realidade visceral e mórbida. Estamos quase numa metástase – suspira Joe.

— Faltam terapias de choque. Cada império tem o seu mal.

— É mais do que isso: é uma questão de saúde pública.

— Isso mesmo: não existe mais corpo privado.

— Ainda mais em se tratando do corpo social.

— Exatamente, é o que digo, num mundo de visibilidade e de transparência: o corpo é sempre social. Exposto.

— Está visto: precisamos mudar de regime. 

— Ao menos de cardápio.

— Não há organismo que resista à ação desses radicais.

— Livres.

— Incontroláveis.

— É indigesto.

— Temos de bombardeá-los e estabelecer um cordão sanitário.

— Mas não um muro.

— Nem me fale disso. Como fronteiras impermeáveis, necessitamos de novas barreiras orgânicas de proteção, mas barreiras inteligentes. 

— Em certas regiões do mundo, como na África, o problema é mais embaixo, é de abastecimento.

— Cabe a nós, países desenvolvidos, abastecer o mundo com valores sadios e regimes eficientes e de resultados.

— O negócio é cortar as gorduras.

— Falar assim não resolveria nada. Isso não seria politicamente correto e acarretaria graves efeitos colaterais. Só criaria confusão e aumentaria os preconceitos. Cortar gorduras poderia levar à inanição e paralisar os bons combates. Temos é de conservar as mãos livres para baixar a temperatura.

— Ao menos, o teor calórico.

— Precisamos voltar à mesa com outra postura.

— Com menos apetite.

— É uma questão de cozinha internacional.

— Eu diria, se me permite, de mudar o paladar.

— Novas receitas para o imaginário coletivo.

— Outra dieta.

— Sim, a imagem é boa, uma dieta civilizatória.

— Menos ácida.

— Mais temperada. Mas consistente.

— Diga-me qual o teu regime e direi quem és.

— Confúcio?

— Está frio.

— Putin?

— Gelado.

– Lula?

— Jejum intermitente.

      É incrível como tudo se recicla e retorna com novos temperos.

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