Juremir Machado da Silva

Lula e Alckmin

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Lula e Alckmin Foto: Ricardo Stuckert

Getúlio Vargas teria dito com o seu dom para certas fórmulas: “Não tenho amigos de quem não possa me afastar nem inimigos de quem não possa me aproximar”. A aliança de Lula com Geraldo Alckmin é getulismo puro. O petista garante que o ex-tucano nunca foi inimigo, mas adversário. Muitos petistas foram mais duros. A base costuma ter menos jogo de cintura. Não raro houve quem chamasse Alckmin de fascista. Foi o que fez João Paulo Rillo, líder da banca do PT na Assembleia Legislativa de São Paulo, em 2014: “O governo Alckmin é racista com viés fascista”, disse. Tudo bem, vai ver que era só o governo, não o governador. Ou a posição do sujeito não correspondia ao entendimento dos colegas de partido.

Em 2018, Fernando Haddad acusou o candidato Alckmin de favorecer o fascismo com seus anúncios: “Todo ataque nesse contexto você alimenta o ódio e o fascismo. É o que está acontecendo no Brasil, e quanto mais alimentar o ódio mais o fascismo vai crescer… e parte expressiva da elite brasileira abandonou a social-democracia pelo fascismo”. Tudo bem, Haddad dizia que a estratégia tucana favorecia “o fascista”, que só podia ser Jair Bolsonaro. Em manifestações, contudo, ao longo dos anos, a militância chamava o governador de São Paulo de fascista dia sim e dia não, chovesse ou fizesse sol. Lula, porém, sempre soube que essas estocadas retóricas fazem parte da luta política. Nada necessariamente definitivo.

Nem todo direitista é fascista. Elementar. Nem fascismo e neoliberalismo são sinônimos. Isso, claro, não melhora o neoliberalismo nem absolve quem se atola. Ao aproximar-se de Alckmin, Lula sinaliza para a sociedade brasileira que quer andar mais ao centro, que o mais importante é tirar Jair Bolsonaro do poder e que em política é preciso saber negociar. Mas sinaliza para a esquerda que o seu ritmo é outro. Sem purismos nem radicalizações. Lula é um social-democrata. A sua vibe é a do conciliador. Sabe “equilibrar antagonismos”. Joga para ganhar e governar. Parte da base chora, mas se dobra. Vai sentar com Alckmin. Faz parte do jogo democrático. Tem a hora da crítica e a hora do entendimento.

Há também o outro lado. Geraldo Alckmin sinaliza para a direita que o perigo não é o PT nem a esquerda, mas Bolsonaro e o bolsonarismo. A decisão de Alckmin de deixar o PSDB e aliar-se a Lula é um tapa na cara do mercado, do tucanismo e de toda a direita que se jogou nos braços do capitão – esse, sim – assumidamente fascista, a se considerar o uso do lema fascista “Deus, pátria e família”, acrescido de liberdade, em visita ao fascista Orban, chefe da “democracia iliberal” húngara, que só aceita família formada por homem, mulher e filhos.

Nos anos 1930, o capitão seria “galinha verde” e faria “anauê” para Plínio Salgado, remanescente da Semana de Arte Moderna.

Em 2018, no Brasil, foi como se a direita republicana francesa, num segundo turno, rejeitasse o candidato do Partido Socialista, de feição centrista, para eleger a candidata da extrema-direita fascista Marine Le Pen. Alckmin penitencia-se e tira as consequências. Num segundo turno entre Lula e Bolsonaro, parece perguntar, o PSDB vai apoiar novamente o atual presidente? Um Eduardo Leite, pretensamente moderno governador do Rio Grande do Sul, vai repetir a dose e declarar apoio, com ressalvas, mas apoio, ao teimoso negacionista?

O movimento de Alckmin é tão ousado e revelador quanto o de Lula. Há resistências internas no PT e resistências entre os amigos e eleitores de Alckmin. De certo modo, o que os dois estão fazendo é dizer aos seus que o mundo é mais complexo. Alckmin: “Parem com isso, ser de esquerda não quer dizer ser comunista comedor de criancinha”. Lula: “Alto lá, pessoal, esse negócio de fascista nem sempre é pra valer”. Pode ser só um insulto, pior do que fdp, útil no momento de ir ao ataque. Em outros momentos, use com moderação. Ou divirta-se.

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Que bela edição, “revista e ampliada”, conforme a fórmula editorial consagrada, do “Dicionário de Porto-Alegrês” (L&PM), do Luís Augusto Fischer. Eu, natural da Fronteira Oeste, conhecida carinhosamente como fronteira, de Palomas, onde se fala uma língua própria e ainda não dicionarizada na íntegra, me fartei de reler. Pra dizer tudo, está bonitaça demais. Fischer que, na disputa entre Rio de Janeiro e São Paulo pela invenção do modernismo no Brasil, deu de relho na concorrência. José Miguel Wisnick leva o troféu Borba Gato. Ruy Castro fica com a taça “Rio de Janeiro, umbigo do mundo”. Nunca tive dúvida, paulistas e cariocas (ainda que Ruy Castro tenha sido mineiro) são os mais bairristas do Brasil. Eles até acham que não têm sotaque. O bairrismo paulista se expressa na crença de que são cosmopolitas. O bairrismo carioca aparece na expressão “carioca não gosta disso ou daquilo” e na convicção de que todo mundo, no fundo, torce pelo Mengão.

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Alô, Luciano Alabarse, a peça mais divertida que li, pois ainda não foi montada, chama-se “O sol brilhou na Currúpnia”, de Gilberto Schwartsmann, publicada pela Sulina. É de se mijar de rir. Li no banheiro por segurança. Qualquer semelhança com um país governado por um capitão destrambelhado, que adora lemas fascistas, não passa de acusação descabida de comunista. É a história de Disoíonos, mais conhecida como Didi, e de Oneirópolos, dois atores velhos de guerra recolhidos a um asilo (eles não curtem eufemismos). Gilberto está mandando muito bem.

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Outro que não erra no traço é o chargista, cartunista, humorista, produtor de risos, o popular Santiago. O seu “Caderno de Desdenho” (Libretos) não gasta pólvora com chimango. Nem com maragato. Degola todo mundo na base da gargalhada. Santiago não melhora nem piora com o tempo. É sempre o mesmo: ótimo. Por isso, creio eu, já não tem lugar na grande mídia.

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Frase do Noites, o iluminista apagado por causa do preço da luz: “Com Bolsonaro pior não fica, a não ser que ele seja reeleito”.

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Para ouvir ao cair da tarde de domingo: Hino de Duran.

Contato: [email protected]

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