Juremir Machado da Silva

Carlos Nejar, com o pampa na alma

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Carlos Nejar, com o pampa na alma Carlos Nejar e o empresário Fabiano Saraiva no Hilton hotel.

Carlos Nejar, único gaúcho na ABL, quer uma aproximação do Rio Grande do Sul com a Academia. Uma das ideias em discussão é a publicação de uma coleção de obras de gaúchos que foram imortais (Alcides Maya, Augusto Meyer, Álvaro Moreyra, João Neves da Fontoura, Getúlio Vargas, Viana Moog, Raimundo Faoro, Moacyr Scliar e Carlos Nejar). Outra ideia, subentendida, é ter mais gaúchos na casa de Machado de Assis. Gilberto Schwartsmann, mediando informalmente essa aproximação, recebeu para jantar na sua casa o governador Eduardo Leite, Merval Pereira, Carlos Nejar e o empresário Jorge Gerdau. Em nossa entrevista, Nejar fez um elogio da cultura, do livro e do Rio Grande do Sul como terra de cultura, de arte e de resistência a aridez dos tempos tecnológicos. Por outro lado, defendeu que a ABL precisa se tornar mais inclusiva. Nejar viveu em Vitória e em Guarapari, no Espírito Santo. Há dez anos, reside no Rio de Janeiro, no Flamengo, onde faz o que mais ama: escrever todo dia.

Matinal – Há lugar para a poesia no mundo da inteligência artificial?

Carlos Nejar – O país está tão encolhido culturalmente. Mas eu penso que a poesia é resistente. Enquanto se puder viver, a poesia vai viver também. Enquanto houver palavra, haverá poesia. Apesar de todos os pesadelos do mundo contemporâneo, a criação ainda frutifica, mesmo em terra árida, como cactos. Estamos vivendo num tempo desértico. A inteligência artificial quer ocupar o espaço da inteligência humana. É um total absurdo. Mesmo as máquinas sempre vão precisar do homem. O mais são os sonhos da baixa modernidade.

Matinal – O senhor já é o decano da Academia Brasileira de Letras?

Nejar – Sou o quarto mais antigo lá. O decano é o Sarney. Estou há trinta e três anos na Academia.

Matinal – Como vê a abertura da ABL a personalidades como Fernanda Montenegro e Gilberto Gil?

Nejar – Vejo bem. Votei neles. O presidente Merval Pereira e o secretário-geral Antônio Carlos Secchin estão fazendo uma gestão inovadora. A Academia está retornando à sua envergadura. A covid ceifou a imortalidade por dois anos e meio. Tudo fechado. Nem lives havia. Tudo parado. Houve demissão de funcionários, o jeton por um tempo sumiu, tudo era a crise. Agora, estamos voltando à normalidade.

Matinal – Há quem diga que a Academia é um pouco excludente. Faltaria, por exemplo, uma mulher negra na ABL. Como vê isso?

Nejar – A verdade é essa: a Academia se abre muito aos poucos. Às vezes tem uma visão antiga, arcaica, conservadora. Penso que com a entrada de Fernanda e Gilberto Gil haverá novas possibilidades.

Matinal – Tem muito poucas mulheres. É machista a Academia?

Nejar – Pois é, mas não pode ser. Temos que mudar esse mapa. Precisamos de mulheres. Entrou a Heloísa Buarque de Hollanda. Porém, faleceram duas acadêmicas e só entrou uma mulher. De qualquer maneira, as coisas vão mudar. Estou lutando por isso.

Matinal – Conceição Evaristo não entrou e gerou uma grande polêmica. Lamenta ela não ter entrado?

Nejar – Conceição Evaristo tem valor e poderá entrar. Temos de levar em conta qualidade e combate ao preconceito.

Matinal – O Rio Grande do Sul hoje tem novos escritores em evidência no país e no exterior, como José Falero e Jeferson Tenório. Tem acompanhado?

Nejar – Tenho acompanhado, inclusive, modestamente, o meu filho.

Matinal – Fabrício Carpinejar.

Nejar – O Rio Grande do Sul está muito perto do meu coração. Eu nunca me ausentei do Rio Grande. Ele é que, às vezes, se ausenta de mim.

Matinal – A sua produção atual ainda tem o Rio Grande do Sul como inspiração?

Nejar – Tem. Às vezes não é frontalmente lá no pampa. Não adianta, nós somos também a terra. Uma terra que canta e nos acompanha. A terra também é palavra. Tudo se confunde, memória, palavra, terra, sonho e pampa.

Matinal – Quantos livros já publicou?

Nejar – São 143 livros escritos. Cem foram publicados. Eu fiz a conta e me assustei. Eu tenho de me livrar dos meus fantasmas. Ou eles ficam na minha cabeça e começam a me incomodar, pedindo sobrevivência. Eles terão de se defender sozinhos. Se não puderem se defender, paciência. O tempo é muito voraz. Só a palavra viva e que se revela conta.

Matinal – Como tem visto o trabalho atual da Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul?

Nejar – Notável. Há, em primeiro lugar, o trabalho do nosso querido Gilberto Schwartsmann, que é um ativista cultural incrível. Tem também a ajuda do governador. Gilberto conseguiu fazer avançar a obra do Multiplaco São Pedro. O Rio Grande deve muito a Gilberto. Também destaco o trabalho do atual presidente da Associação dos Amigos da Biblioteca, o Alcides Stumpf. Eu vejo no Rio Grande do Sul o que está faltando no país no sentido de apoio à cultura. Com a vinda a Porto Alegre de Merval Pereira, presidente da Academia Brasileira de Letras, estamos tentando uma aproximação entre a Academia e o Rio Grande. Não quero ficar sozinho lá naquela casa.

Matinal – Precisa entrar mais um gaúcho lá?

Nejar – Exatamente.

Matinal – Quem poderia ser?

Nejar – Esse é um problema. Eu tenho nomes. Mas vou guardar comigo.

Matinal – Luiz Antônio de Assis Brasil seria um bom candidato?

Nejar – Sim, o Luiz Antônio é ficcionista, foi secretário de cultura. Tem o Luiz Coronel, o Gilberto Schwartsmann. Há vários possíveis candidatos.

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