Juremir Machado da Silva

D. Pedro só queria voltar para Portugal

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D. Pedro só queria voltar para Portugal Coração de Dom Pedro I chegou ao País para as celebrações dos 200 anos da Independência (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Eis uma máxima cheia de um mínimo de sabedoria: as coisas nunca são exatamente como contam as narrativas. Antes de proclamar a independência do Brasil e tornar-se imperador do novo reino, o príncipe regente D. Pedro só queria dar o fora. O projeto dele era voltar para Portugal. Quem conta essa história é Francisco Adolfo de Varnhagen, em sua História da independência do Brasil. Varnhagen foi o grande historiador brasileiro do século XIX. Considerado positivista, um grave insulto nesse campo, foi depois meio deixado de lado. Preferia fatos a teorias. Sabe-se que teorias passam. Fatos ficam. O teórico pergunta: o que são fatos? Os mais incisivos afirmam: fatos não existem. Em todo caso, não foi Cabral quem tornou o Brasil independente. Sei, sei, não é assim tão primário.

Depois da revolução de 1820, em Portugal, o Brasil passou a viver num turbilhão. A Corte deveria retornar para casa? Vernhagen conta: “Os Brasileiros mais conciliadores começavam a propender ao partido de que partisse tão somente para Portugal o príncipe ficando el-rei, e, vice-versa, os Portugueses menos exigentes se contentavam com a partida de el-rei, ficando o príncipe regente no Brasil. Os mais exaltados de uma e outra parte queriam, cada qual para seu país, a família real toda”.

Um panfleto em francês botou fogo na Corte questionando o que deveria a Corte fazer: ficar ou partir? O autor anônimo dava seis razões para não ir. A principal era poderosa: O Brasil poderia viver sem Portugal, mas Portugal não podia viver sem o Brasil. Obviamente que surgiu um folheto para defender o contrário. O rei devia partir. Thomas Antônio Villanova, principal conselheiro de D. João VI, considerava mais útil que D. Pedro fosse enviado a Portugal para sentir o clima da metrópole, que se via humilhada com seu rei exilado no fim do mundo.

D. Pedro gostou da ideia. Era fevereiro de 1821. O agravamento da situação em Portugal determinaria o contrário. Em 24 de abril, D. João foi ao quarto do filho e disse-lhe: “Pedro, se o Brasil se separar, antes seja para ti, que me hás de respeitar, do que para algum desses aventureiros”. Dois dias depois, a família real partia: “O sentimento de el-rei e da família real de deixarem o Brasil, se descobria nas lágrimas de todos, exceto a rainha”. Nem todos choravam por ti, Brasil.

D. Pedro foi estimulado pela mulher a ficar e agir, como se sabe pelas cartas de Dona Leopoldina, o que é destacado em nota à edição de Vernhagen do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: “Ela foi, junto de D. Pedro, sem hesitar, a mais forte e perseverante propugnadora do ‘Fico’ embora acentue, numa de suas missivas, que muito lhe havia custado convencer ao esposo definitivamente e que o melhor partido era mesmo, nesse dilema histórico, o de deixar-se ficar no Brasil!”.

Uma das cartas que D. Pedro leu, no lombo da sua “besta baia gateada”, junto ao Ipiranga, entregue pelo correio Paulo Bregaro, era de D. Leopoldina. Ela dizia ao augusto esposo o que ele devia fazer:

– “O pomo está maduro; colhe-o já, senão apodrece.”

A carta de José Bonifácio batia na mesma tecla:

– “Senhor, o dado está lançado, e de Portugal não temos a esperar senão escravidão e horrores. Venha V.A.R. quanto antes e decida-se, porque irresoluções e médias d’água morna, à vista desse contrário que não nos poupa, para nada servem, e um perdido é uma desgraça.”

Empurrão não faltou.

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