Juremir Machado da Silva

Falas sintomáticas sobre a Ucrânia

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Falas sintomáticas sobre a Ucrânia O documentário Inverno em Chamas mostra ponto de vista dos jovens que enfrentaram o governo ucraniano (Foto: Netflix/Divulgação)
A invasão da Ucrânia pela Rússia desencadeou nas redes sociais um debate curioso. Posições que pareciam superadas, anacrônicas mesmo, vieram à tona, como se um reagente ou contraste tivesse sido aplicado. A racionalidade, como sempre, ficou longe do campo de batalha. Narrativas foram construídas com extraordinária rapidez. Pessoas que se apresentavam como de esquerda adotaram o lado russo, apagando a biografia de Vladimir Putin, que passou a ser visto como um importante obstáculo ao avanço do imperialismo americano por meio da OTAN. Boa parte dos argumentos favoráveis a Putin era, na verdade, apenas contrária aos Estados Unidos. Aflorou um antiamericanismo que, não fosse ofensivo falar assim, poderia ser chamado de rasteiro, quase de grêmio estudantil, ainda que existam razões de sobra para temer os Estados Unidos em política externa. Porém, nem sempre. Listas de invasões americanas foram apresentadas freneticamente, o que parecia significar: se os Estados Unidos puderam invadir tantos países, por que a Rússia não poderia fazer o mesmo com a Ucrânia, com quem tem laços históricos? A palavra geopolítica entrou em uso como se tivesse um poder mágico, sempre em favor da Rússia, que estaria sendo ameaçada no seu “espaço vital”, ainda que essa expressão não tenha sido usada literalmente. Wilson Gomes, da Universidade Federal da Bahia, ironizou, no twitter, lembrando que essa ideia vem de um certo Adolf Hitler. Raso e profundo Críticas ao ataque foram consideradas rasas, toscas e resultantes de desconhecimento de geopolítica e história. Foram, contudo, acumulando-se os artigos e posicionamentos contra a invasão, vindos de intelectuais renomados de vários países, como o centenário Edgar Morin, que chamou, no twitter, Zelensky de heroico, do teórico marxista Slavoj Zizek, que comparou Putin a um estuprador e pediu a sua castração, do sociólogo francês Dominique Wolton, firme na observação de que a Ucrânia não é nazista, e do historiador israelense Yuval Harari, que, em artigo para o jornal britânico The Guardian, defendeu a realidade e a soberania da Ucrânia. Simplistas e rasos todos eles? Claro que não. Para dar mais calor ao debate, Gabriel Boric, jovem presidente de esquerda do Chile, declarou apoio aos ucranianos. Não escapou de ser insultado. Os best-sellers de Harari foram apedrejados. De repente, já não eram brilhantes, mas enganações para leitores medianos. O adorado Zizek apanhou bastante. Era estar com Putin ou ser vassalo dos EUA. Uma pergunta ficou interditada: por que Ucrânia, Finlândia e Suécia querem entrar na OTAN? Não será por que têm mais medo da Rússia que da Europa e dos Estados Unidos? A Rússia quer se proteger do poderio americano? Não pode a Ucrânia querer aliados para se proteger da Rússia? A posição geográfica deve fazer da Ucrânia e da Finlândia para sempre “soberanias restritas”, tuteladas, nações de “neutralidade obrigada”? Esses países não podem escolher seus aliados para não incomodar o vizinho poderoso, uma espécie de valentão que intimida os mais fracos? Há, de fato, ameaça real de ataque ocidental à Rússia? O antiamericanismo rotula logo esse tipo de questão como de direita. Só a recusa a […]

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