Juremir Machado da Silva

Lula e a travessia do deserto

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Lula e a travessia do deserto Foto: Ricardo Stuckert / Divulgação
Comecemos pelo já sabido, como se dessa reafirmação dependesse o fio do raciocínio. Lula venceu Jair Bolsonaro e tornou-se, pela terceira vez, presidente do Brasil. A vitória foi apertada: 50,9% dos votos para o candidato do PT contra 49,1% do atual presidente brasileiro. O país sai dividido da eleição. Haverá muitos cacos para colar ao longo do tempo. Lula, porém, sai mais triunfante do que nunca. Retirante nordestino, viveu adolescência na pobreza, em São Paulo, e chegou à presidência da República depois de três tentativas fracassadas, sendo reeleito e depois elegendo duas vezes a sua sucessora, Dilma Rousseff. As acusações de corrupção que atingiram os governos do PT levaram-no à cadeia, onde passou mais de 500 dias. Parecia que sua jornada política extraordinária havia chegado ao fim.

Como nas famosas jornadas do herói, cujos passos foram descritos por Joseph Campbell, Lula aceitou o chamado à aventura, venceu obstáculos, fez sua travessia do deserto, enfrentou adversários poderosos e voltou. No primeiro discurso, depois de anunciado o resultado das urnas (eletrônicas), defendeu a pacificação do país e cravou uma frase fundamental: “É hora de baixar as armas”. Durante os quatro anos de governo de Jair Bolsonaro o Brasil viveu em “guerra”. O capitão presidente tinha por hábito desafiar os demais poderes e colocar fogo no circo. A Amazônia que o diga. Do ponto de vista pessoal o feito de Lula tem algo de inacreditável, que permite compará-lo a Getúlio Vargas, a figura política mais marcante da história brasileira, o homem que derrubado depois de 15 anos de muito poder (1930-1945), voltou consagrado pelo voto popular.

Como foi possível que Lula tenha conseguido articular uma aliança tão ampla em torno dele, envolvendo de Fernando Henrique Cardoso a economistas liberais como Armínio Fraga? A resposta tem a simplicidade de uma convocação: a defesa da democracia. A reeleição de Jair Bolsonaro assustava pela possibilidade de uma escalada antidemocrática. Neopopulista de extrema direita, Bolsonaro sonhava avançar sobre o judiciário, controlando o Supremo Tribunal Federal, para impor a sua ideologia baseada numa hierarquia social anacrônica. Em torno de Lula se organizaram os que consideram essencial jugular o machismo, a homofobia, o racismo, o obscurantismo e o armamentismo.

Dito isso, como quem reorganiza a mente depois de um furacão, resta projetar o futuro: Lula terá uma enorme responsabilidade pela frente. Não poderá errar. Terá de fazer um governo quase perfeito, sem a menor sombra de dúvida sobre a honestidade de todas as decisões que forem tomadas. A transparência terá de ser absoluta. O país precisa ser reconstruído. Em primeiro lugar, será necessário reinseri-lo na cena internacional. Não poderá ser um governo só do Partido dos Trabalhadores, mas a gestão mais ampla de uma frente. Aos bolsonaristas mais radicais, que sofrem com o resultado, resta dizer com bom humor: aceitem que dói menos. É a democracia, camaradas.

Continua...

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