Obrigações do intelectual em 2022
Em 1939, às vésperas da Segunda Guerra Mundial, o filósofo e escritor Albert Camus, que seria prêmio Nobel da literatura, definiu as obrigações de um jornalista em tempos sombrios. Intelectual é quem trabalha com ideias – professores, escritores, jornalistas – e sai da sua especialidade para atuar na esfera pública como pessoa comprometida com o seu tempo e com suas dificuldades e desafios.
Para Camus era importante manter a lucidez, a obstinação, a capacidade de dizer não e de praticar a ironia como recurso contra o poder. Na mídia dominada pelo conservadorismo sempre defendi a “teoria da trincheira”: ficar dentro para tentar dizer o essencial ainda que sem poder dizer tudo. Afinal, dizer tudo nunca é possível.
Em 2022, no Brasil de Jair Bolsonaro, que mostra a cada dia o seu pendor autoritário, os deveres do intelectual brasileiros são: defender a democracia, rechaçar qualquer tentativa de golpe, combater as fake news e engajar-se pela manutenção do Estado de Direito. Ser lúcido no caso significa ter clareza quanto ao valor da democracia. Ainda não se inventou nada melhor. A democracia pode ser aperfeiçoada, intensificada, mas não pode ser rejeitada. Ser obstinado neste momento bolsonarista implica ter coragem para perseverar mesmo diante de ameaças. Perde-se emprego, mas não a dignidade e o compromisso com a liberdade e a verdade. A capacidade de dizer não passa análise lúcida do contexto: diz-se não quando se instado a falar ou defender o que não se pensa. Posso não conseguir dizer tudo o que penso; não posso dizer o que não penso. Por fim, a ironia continua sendo uma arma contra a burrice, a estupidez, a ignorância e o obscurantismo.
O jornalista como cidadão pode fazer o que quiser, ter partido ou não, já no exercício da sua atividade deve ser pluralista, ouvir todos os lados em matérias de interesse da sociedade e não se deixar confundir por terraplanistas e negacionistas de toda sorte.
Eis o decálogo do jornalista intelectual em 2022:
- Engajar-se em defesa da democracia
- Colocar a sua independência em primeiro lugar
- Atuar para que Jair Bolsonaro não se reeleja (decorrência lógica do primeiro mandamento)
- Denunciar a tentativa de golpe em curso
- Defender a ciência contra o negacionismo
- Usar a sua técnica para liquidar notícias falsas
- Lutar em todas as frentes contra a intolerância
- Separar cotidianamente a liberdade de expressão e de imprensa do abuso que mente, calunia, difama, injuria e comete crime
- Proteger a diversidade cultural, social, política, étnica, de gênero, etc.
- Buscar a verdade dos fatos