Juremir Machado da Silva

Tragédia ianomâmi

Change Size Text
Tragédia ianomâmi Foto: Ricardo Stuckert / Palácio do Planalto

O homem nunca deveria ter sido eleito presidente da República por ter tido mau comportamento como militar, tendo até mesmo planejado atos que, se fossem de esquerda, seriam chamados de terroristas. Como deputado, foi de uma nulidade atroz, tendo se destacado apenas por declarações racistas, homofóbicas ou machistas, como quando disse que não estupraria uma deputada por achá-la feia. O seu estilo hediondo, porém, atraía seguidores e dava votos. O mercado, as elites e os militares decidiram apostar nele para comandar o país, o que espantou parte do mundo e o mundo inteiro dos que o conheciam muito bem.

Eleito, governou em nome do obscurantismo e do negacionismo, desdenhando da ciência e da racionalidade. Um dos seus ministros, sugeriu que se aproveitasse a distração da mídia com a pandemia do coranavírus para “passar a boiada” em cima da legislação protetora do meio ambiente. O governo foi um desastre. O fanatismo e os interesses econômicos, contudo, resolveram pedir bis. O capitão perdeu a eleição, mas não se conformou. Fugiu para os Estados Unidos em avião presidente, dois dias antes da posse do novo presidente da República. Enquanto isso seus aliados preparavam um golpe de Estado, que tentou acontecer em 8 de janeiro. O tiro saiu pela culatra. Ainda assim, o novo comandante do Exército ofereceu cobertura ao acampamento dos golpistas, dando-lhe tempos de dar no pé. O caos estava na porta.

Evitado o golpe, o novo presidente foi obrigado a trocar de comandante do Exército. O escolhido para substituir o que durou menos de um mês tem por principal qualidade defender o resultado das urnas. Em meio a tudo isso, o presidente foi visitar ianomâmis, em Roraima. As imagens que surgiram são devastadoras: indígenas esqueléticos, raquíticos, desnutridos, doentes, abandonados, vítimas da fome e da falta de cuidados adequados, cenas que muitos só haviam visto, anos atrás, em reportagens sobre a Etiópia ou em filmes sobre campos de concentração nazistas. A dor dos ianomâmis retrata o Brasil que Jair Bolsonaro e o bolsonarismo esconderam enquanto passavam a boiada, pois tudo fizeram para favorecer desmatamento e garimpo na Amazônia. Isso não é crime? Homens e mulheres reduzidos a uma condição indigna.

Como foi possível que se tenha eleito Jair Bolsonaro uma vez? Como foi possível que se quisesse reelegê-lo? Como foi possível que a situação dos ianomâmis permanecesse invisível? As imagens dos vândalos depredando os palácios dos três poderes em Brasília pareciam insuperáveis em barbárie neste começo de ano. Já foram vencidas pelas fotos desoladoras de ianomâmis cadavéricos no portal da morte. Se alguém precisa de definição de crimes contra a humanidade, aí tem um exemplo acachapante. A boiada passava, os ianomâmis morriam. O capitão vivia no seu mundo paralelo de cartões corporativos e golpistas.

O que produziu a tragédia dos ianomâmis? Desvio de verbas para remédios básicos, por exemplo, contra verminoses, falta de assistência médica, garimpo ilegal poluindo as suas terras, falta de alimentos e políticas públicas fracassadas. Um coquetel letal e bem visível.

O mais infame nessa história toda é que alguns ainda querem mais. Para esses, democracia e civilização são ofensas. Só lhes interessa a livre circulação da boiada em ricas terras indígenas. 

RELACIONADAS

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.