Juremir Machado da Silva

Melhores do Rei

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Melhores do Rei “Eu gosto cada vez mais dele” | Foto: Caio Girardi / site Roberto Carlos

Quando eu era valente e não temia as patrulhas do “bom gosto”, fiz uma lista das melhores canções de Roberto Carlos. Depois, fiquei covarde e escondi minhas preferências. Agora, num arroubo de coragem, da qual devo me arrepender, repito aqui essa crônica que me marcou.

Como quase todo mundo que tenha em algum momento da vida dançado de rosto colado e, sendo homem, usado cabelos compridos e calça boca de sino, eu sou fã de Roberto Carlos. Não de tudo o que o “rei” fez. Mas de duas partes da sua obra, a da Jovem Guarda e a dos seus clássicos românticos. Imbuído desse espírito de homenagem e de pesquisa minuciosa, escutei 712 músicas cantadas pelo astro e escolhi as melhores. Foi um trabalho insano, prazeroso e inútil, pois a minha lista poderia ter sido elaborada sem ouvir coisa alguma: “Detalhes”, “Como vai você”, “Outra vez”, “Não se esqueça de mim”, “O portão”, “A distância”, “Esta tarde vi chover” e “Jovens tardes de domingo”.

Qualquer conhecedor da obra de Roberto Carlos ou interpretada por ele verá que há um ponto fora da curva na minha relação: “Jovens tardes de domingo”. Sim, é uma canção linda, uma das que mais gosto, eu que sou nostálgico por natureza, mas ela não tem vínculo temático com as outras. As sete primeiras músicas citadas acima cantam um amor perdido. Elas formam um conjunto como se fossem capítulos de uma mesma história. Eis a tese que deveria ser defendida num programa de pós-graduação: Roberto Carlos tem um romance em sete capítulos. Há outros? Sim. Mas estes, na minha modesta e arrogante opinião, são os melhores.

Um fio une todas essas letras embora nem todas levem a assinatura do “rei” e do seu mais fiel parceiro, o “tremendão” Erasmo Carlos. A tese, portanto, é esta: Roberto Carlos soube compor ou escolher um conjunto de composições que choram o desencontro, a ruptura, a saudade, a perda e, no caso de “O portão”, o reencontro depois da longa ausência. Por que então juntar “Jovens tardes de domingo” a esse mosaico? Por admiração. Uma boa tese precisa ter algum furo. Outro problema da minha lista é que ela só tem oito músicas. A tradição das listas manda escolher dez. Concedo: “Cavalgada”. Também conhecida pelas línguas de trapo como “melô da sodomia”. Romantismo erótico. Roberto Carlos tem suas canções picantes e até “moteleiras” [quando escrevi contei mal, achei que tinha chegado a dez, mas eram só nove. Acrescento “As curvas da estrada de Santos e me calo de vez].

A grande dificuldade é saber dentre as conjugadas qual é a mais arrasadora. “Detalhes” parece ser a mais conhecida ou ouvida entre elas. Cada uma dessas composições, porém, é uma poesia perfeita na sua simplicidade e doçura. “Esta tarde vi chover” nem brasileira é. Fica bem em espanhol ou em português. Gente sofisticada desdenha um pouco de Roberto Carlos. Eu, que sigo exclusivamente meu ouvido instintivo, gosto cada vez mais dele. Sim, ele fez coisa muito brega. Quem não fez? Eu sou brega. Até Chico Buarque tem coisas bem bregas.

O ponto é outro: meu encantamento com a unidade temática das canções relacionadas aqui como as melhores do “rei”. Creio que isso se chama sensibilidade, imaginário, uma visão das coisas e do amor. Roberto Carlos é mais imortal do que a Academia Brasileira de Letras inteira [salvo Gilberto Gil, que não era imortal na época]. As suas mais matadoras canções de amor conseguem ir além da famosa dor de cotovelo. Cantam a perda como um achado. O amor é triste e cabe numa frase: “Onde você estiver, não se esqueça de mim”. Caraca!

Como eu era romântico e corajoso.

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