Juremir Machado da Silva

Memórias da Feira do Livro de 1980 e Leão da Calábria na Sociedade Italiana

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Memórias da Feira do Livro de 1980 e Leão da Calábria na Sociedade Italiana Porto Alegre realiza sua 69a Feira do Livro | Foto: Alex Rocha/PMPA

Minha primeira Feira do Livro de Porto Alegre, como já contei aqui mesmo, foi no pré-histórico ano de 1980. Via-se Coração Alado na Tevê Globo. Fazia menos de um ano que eu havia desembarcado na rodoviária de Porto Alegre com uma velha mala herdada de um tio de poucas viagens e algo em torno de 2 mil reais costurado no fundo da bagagem para as despesas iniciais de conquista do mundo. Se cheguei de cabelos compridos, ideias curtas e sonhos intermináveis, tive a cabeça raspada quando passei no vestibular. Os trotes da época andavam a galope e não perdoavam os mansos e os hesitantes. Quando a primavera trouxe flores e livros para a bela praça da Alfândega, escutava-se nas rádios populares Agonia, com Oswaldo Montenegro, Foi Deus quem vez vocês, de Luiz Ramalho, e Massa, com Raimundo Sodré, ganhadoras do Novo Festival da Música Popular Brasileira.

Do que eu me lembro? Da quantidade de barracas apinhadas de livros fora do alcance do meu poder aquisitivo cravado na cifra zero, da multidão colorida acotovelando-se nos estreitos corredores sem cobertura, de Mario Quintana sendo cortejado por crianças, jovens e velhos, do impávido prédio do Correio do Povo, na saída do palco da grande festa, como um elefante na solidão povoada do final de tarde, que eu via também pela primeira vez e com o qual sonharia, do centro da capital pulsante e faceiro, das ruas que se espiralavam até um fundo que eu descobriria a passos lentos, até chegar na Usina do Gasômetro e me deslumbrar com o pôr do sol, que ainda tinha hífen.

O patrono daquela 26ª Feira do Livro de Porto Alegre foi o historiador Moysés Vellinho, falecido naquele ano. Era ainda a época dos patronos póstumos. A grande novidade era a venda de livros usados, que antes não eram permitidos. O Brasil vivia a transição interminável para a democracia, sob o controle dos militares, com João Figueiredo, o ditador que preferia cheiro de cavalo ao de gente, no poder. Eu tinha pressa em ler, ser feliz e arranjar um emprego, o que eu só conseguiria seis anos depois. Antes, fiquei ocupado estudando jornalismo e história, lendo furiosamente, indo ao cinema, namorando e vadiando nas noites boêmias do Bom Fim em chamas.

A juventude não sabe o que não pode e isso faz dela o motor do mundo. Eu não sabia das minhas limitações financeiras e vivia ao sabor do vento, da ajuda dos amigos e das leituras que me faziam voar. Em 1981, ganhei de um colega que nunca mais vi, João Ananias, está na dedicatória, 1964, a conquista do Estado, de René Armand Dreyfus. A história entrou definitivamente na minha vida. Outro colega, João Anselmo, já na Faculdade de Direito da UFRGS, pela qual tive uma passagem rápida, me presentearia com o Arquipélago Gulag, de Alexander Soljenítsin, um monumento que alimentaria o meu anarquismo instintivo e me faria nunca ser marxista. Daquele ano de 1980 eu guardaria Camilo Mortágua, de Josué Guimarães, presente de meu primo Eleú, que apaziguava a minha fome de livros e de galinha com arroz. Era um tempo trepidante de longas viagens até o Sarandi.

Naquele ano, no Festival de Gramado, que eu ainda levaria sete anos para conhecer, o melhor filme seria Gaijin – Caminhos da Liberdade, de Tizuka Yamasaki. Mas quem me pegaria de jeito seria um LP de Belchior, Objeto Direto, tendo a bela Mucuripe como canção inesquecível. Daquela primeira Feira do Livro de Porto Alegre eu guardaria também o olhar de uma menina, quando nossas cabeças quase se roçaram diante de uma edição de As flores do mal. Nunca soube o seu nome. Foi só um segundo. Às vezes, o seu rosto ressurge por inteiro em minha mente, sem que eu consiga capturá-lo para sempre.

Nilson May fala de “O Leão da Calábria” na Sociedade Italiana

O escritor e palestrante Nilson Luiz May falará sobre sua obra O Leão da Calábria nesta quinta-feira, às 19h, na Sociedade Italiana do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, durante a 17ª Semana Italiana em Porto Alegre. Após, autografa o livro, um romance baseado em fatos reais que se passou em Anta Gorda em 1920, quando o médico imigrante italiano Michele De Patta veio com a família da Calábria e causou uma revolução na pequena cidade. 

Noite de sexta-feira, 30 de março de 1923. O Hospital São Carlos, que tanto servira de apoio ao tratamento dos necessitados de Anta Gorda – local de imigração italiana no decorrer das últimas décadas – estava prestes a ser destruído pelo fogo. O casarão de dois pisos, em tábuas de madeiras, em poucos minutos poderia desabar. A querosene, contida em duas latas despejadas sobre o assoalho do pavimento inferior, depois do fogo ateado pela porta arrombada, começava a escorrer pelo chão, provocando labaredas que progrediam com facilidade pelo madeirame seco. Pouco demoraria para o incêndio tomar conta do prédio. (trecho de O Leão da Calábria)

O Autor 

 May, que também é médico, tem na Literatura seu “duplo ofício”. Com centenas de ensaios e artigos publicados em suplementos literários, ele também é autor de 9 livros, sendo o romance O Leão da Calábria, seu último lançamento. Ocupa a cadeira 7 da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina e a cadeira número 10 da Academia Rio-Grandense de Letras. 

Serviço: Palestra e sessão de autógrafos de O Leão da Calábria 

Endereço: Rua General João Telles, 317, Bom Fim.  

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