Juremir Machado da Silva

Metamorfoses de Sebastião Melo

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Metamorfoses de Sebastião Melo “Como não ceder à tentação de sentir-se em casa nesse mundo de ricos?” | Foto: Mateus Raugust/PMPA

Vi o Harmonia devastado. Pensei o que segue.

Comecemos com um truísmo: políticos são pessoas (nem todos, talvez). Pessoas mudam. Nem toda mudança é por oportunismo. Políticos fazem cálculos eleitorais que, em alguns casos, é melhor chamar de eleitoreiros. É do jogo. Nem sempre ilegítimo. O poder precisa ser conquistado. O mais difícil, já ensinava o arguto Maquiavel, é mantê-lo. Conheço o prefeito Sebastião Melo há muitos anos. Ele era convidado frequente do programa Esfera Pública, na Rádio Guaíba, apresentado por mim e por Taline Oppitz. Era um homem de centro esquerda na época. Acompanhei a sua travessia do deserto, quando ficou sem mandato e retornou para as atividades advocatícias. Parecia triste. Mas continuava combativo e cordato. Depois, como deputado estadual, tornou-se um crítico consistente dos privilégios do judiciário. Dava belos shows.

Migrante humilde de Goiás para o Rio Grande do Sul, Melo fez todo o percurso do combatente: das pensões baratas até o Paço Municipal. Uma linda trajetória, digna de um romance de Balzac ou Stendhal. Um Rastignac, um Sorel, enfim, “subindo” a Paris para vencer. Exagero? Esses grandes romancistas falavam de escaladas improváveis. A linha de corte sempre foi a sedução do poder e da entrada no universo impossível, o das classes abastadas. Como não ceder à tentação de sentir-se em casa nesse mundo de ricos, poderosos, bem-sucedidos e exclusivos? A travessia do deserto pode ter parecido um retorno precoce e melancólico a Goiás.

Melo foi eleito prefeito de Porto Alegre como alternativa ao neoliberalismo de Nelson Marchezan e como opção ao petismo. Já chegou ao poder, porém, abraçado ao bolsonarismo e ao extremismo do seu vice, Ricardo Gomes. A minha hipótese é que Melo foi profundamente afetado pelo ostracismo. Sofreu tanto o afastamento do mundo que lhe dá sentido que decidiu fazer de tudo para nunca mais ser devolvido à solidão dos excluídos. A cada dia, Melo aprofunda sua inclinação para a direita. Em 2022, mesmo o seu MDB tendo candidato, Gabriel Souza, na chapa de Eduardo Leite, preferiu acompanhar o bolsonarista Onyx Lorenzoni. Foi derrotado na sua aposta para o Governo de Estado. Queria possivelmente marcar posição para o pleito municipal de 2024.  O “Melonaro” já não demonstrava qualquer constrangimento com o novo campo. Queria mais.

Lembro da época em que Sebastião Melo ia debater com os funcionários públicos em greve, no estúdio Cristal, na Rádio Guaíba, de cara para a rua, com a massa gritando e agitando bandeiras diante da vidraça que nos separava do público. Parte da esquerda arrependia-se de não ter votado nele contra Marchezan. Eleito, Melo surgiu à direita do próprio Marchezan. Apostou em reformas e privatizações que o seu antecessor não conseguira levar a cabo. Tentou alugar a Redenção. Foi obrigado a recuar diante dos protestos da população. Então, como se tudo o obrigasse a não parar, voltou-se com mais ênfase para o projeto já em curso no Parque Harmonia. O que houve?

Projetos de Melo parecem seguir um único modelo: privatizar, derrubar árvores, rejeitar tudo o que é público, trocar vegetação por roda gigante, favorecer exclusivamente o reino da mercadoria. Numa entrevista que deu ao Matinal, Melo fez uma frase sintomática. Para ele, o bar instalado na Redenção “deu vida” ao lugar. Por que não haveria vida antes? Não bastavam as vidas dos caminhantes, dos pássaros, dos gambás, das pessoas deitadas na grama, da gente de bicicleta? Quando penso no sempre simpático prefeito Sebastião Melo e nas suas metamorfoses, duas hipóteses me ocorrem: na primeira, ele mudou por chegar a novo entendimento do trato da coisa pública: convenceu-se de que o melhor é entregar o máximo à iniciativa privada e ponto final.

Na segunda hipótese, Melo faz cálculos eleitorais: sabendo que a via pela esquerda estava ocupada e nunca seria sua, decidiu correr pela direita. Há astúcia nessa percepção: centrista não se elege sem apoio de um dos extremos. Em 2024, Sebastião Melo tem tudo para ser o candidato da direita, como favorito, contra alguém da esquerda. Como trunfo da direita, enfatizando escolhas extremas, ganha a simpatia de um campo que se tornou muito forte nos últimos anos, o bolsonarismo. Por outro lado, sem nunca levantar a voz, Melo ainda convence muita gente de que é um homem de centro, ponderado, aberto ao diálogo. Melo parece ter descoberto que o preço para ele nunca mais atravessar o deserto e até sonhar com o Governo de Estado é ser o moderado da extrema direita.

A aposta está dando resultado: se a esquerda o odeia, a direita está apaixonada. O empresariado saiu em sua defesa no caso do Harmonia.

O risco é uma biografia não autorizada, o que só merecem os que apostaram muito alto: “A ascensão de um arrivista”. Será isso? Ou não?

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