Juremir Machado da Silva

O terrorismo do Hamas e a reação de Israel

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O terrorismo do Hamas e a reação de Israel Chegada ao Brasil de 64 brasileiros retirados da área de conflito em Israel | Foto: Paulo Pinto/Agêcia Brasil

Nada mais difícil do que tentar olhar de modo complexo para o conflito que mais uma vez se transformou em guerra entre Israel e Hamas. A dor de uns e a dor de outros. Famílias ensanguentadas, destruídas, enlutadas, vitimadas por ódios alimentados historicamente.

O Hamas é uma organização terrorista.

O assassinato de civis que praticou recentemente não pode ser relativizado nem justificado. É simplesmente indefensável e intolerável.

A matança fria de inocentes e o sequestro de adultos, crianças e idosos não podem ser emoldurados como um ato heroico de resistência.

A reação de Israel pode, por outro lado, ser considerada desmesurada? Pode-se atacar um povo inteiro para punir parte dele?
Pode, por outra parte, um grupo terrorista usar uma população civil inteira como escudo para se proteger da reação legítima de quem atacou?

Em 2002, o judeu Edgar Morin causou escândalo ao criticar duramente Israel pelo seu comportamento em relação aos seus inimigos.

O teórico da complexidade sustentou suas razões. Mesmo assim, ficou marcado pelas reações violentas contra suas posições.

Ele queria paz, convivência, entendimento e respeito mútuo.

Dois povos, dois Estados, uma vida em comum.

Morin, S. Nair et D. Sallenave escreveram: “O câncer israelo-palestino formou-se a partir de uma patologia territorial: a formação de duas nações num mesmo pedaço de terra, fonte de duas patologias políticas, uma nascida da dominação, a outra da privação. Desenvolveu-se por um lado alimentando-se da angústia histórica de um povo perseguido no passado e da sua insegurança geográfica; por outro lado da desgraça de um povo perseguido no seu presente e privado de direitos políticos”.

Processado e condenado por antissemitismo, Morin acabou absolvido em instância superior em nome do direito à liberdade de expressão.

Uma frase de Edgar Morin marcou a fase final dessa polêmica: “Quando queremos compreender, não podemos odiar”.

Na contramão, as simplificações jorram desde sempre.

Numa delas, confunde-se antissionismo e antissemitismo.

Nem toda crítica a Israel pode ser reduzida a antissemitismo.

A recusa ao terrorismo não significa apoio irrestrito a Israel.

Numa linha de tempo simples, seguindo a síntese que faz o historiador israelense Shlomo Sand, de renome internacional, a quem entrevisto sobre tais assunto, o problema se apresenta assim:

Dois mil anos depois de sua diáspora, o povo judeu obteve o direito a ser instalado em terras ocupadas havia séculos por outros.

A criação de Israel seria uma compensação do Ocidente aos horrores praticados pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

Mas o espaço, de geração em geração, estava ocupado.

Por muçulmanos? Por árabes? Por palestinos?

Para uns, não haveria palestinos. Os árabes da região poderiam ser tranquilamente espalhados pelos países vizinhos.

Para outros, ser judeu não seria uma nacionalidade, nem uma raça, mas uma cultura, uma religião, uma situação plurinacional.

Não caberia expulsar palestinos dos seus lugares natais para instalar judeus “estrangeiros” do mundo inteiro. Instalado, em sua existência contemporânea, Israel foi avançando sobre as terras palestinas sob a alegação de segurança e de sua sobrevivência.

É isso que pode justificar colonos israelenses na Cisjordânia? Por que a comunidade internacional tolera essas instalações?

Hamas é um grupo terrorista.

O assassinato de civis é insuportável.

Israel decretar a evacuação em urgência do norte de Gaza para caçar os culpados choca até aliados seus, que pedem compaixão e sobriedade, e se apresenta como algo inexequível sem produzir mais horror.

A ONU pediu o cancelamento dessa ordem.

Gilad Erdan, embaixador de Israel na ONU, reagiu asperamente: “Durante muitos anos, a ONU fez vista grossa ao armamento do Hamas e à utilização da população civil e da infraestrutura civil na Faixa de Gaza como esconderijo para as suas armas e assassinatos. Agora, em vez de apoiar Israel, cujos cidadãos foram massacrados pelos terroristas do Hamas, vai contra Israel”.

Outros dizem que Israel nutriu o Hamas em oposição à Autoridade Nacional Palestina, que sempre quis desqualificar. 

Não se deve confundir Israel com o governo de Netanyahu.

Nem ignorar que o Hamas teve a intenção deliberada de matar inocentes. O vídeo em que terroristas do Hamas atiram indiscriminadamente contra banheiros químicos da rave próxima a Gaza é repugnante, abjeto, um documento sobre a barbárie contemporânea, uma prova do horror praticado conscientemente. A ideia era matar o maior número possível de inocentes.

Só se pode dizer: inaceitável!

E a reação?

Israel provoca a morte de inocentes como efeito colateral da sua ação. Assume tal risco, sob a indignação de 1.300 mortes bárbaras, ao atacar o todo para punir a parte comprometendo a legitimidade do ato.

Foram recenseadas até sábado as mortes de 700 crianças em Gaza.

Israel chora por bebês assassinados pelo Hamas.

A perversidade cega da guerra faz com que reféns capturados pelo Hamas sejam mortos em ataques israelenses a Gaza. Já seriam 22 vítimas. Não há provas de que isso tenha acontecido.

Em meio a tanto horror uma evidência cintila: matar inocentes, como fez o Hamas numa festa musical ou em comunidades rurais é um ato pusilânime de covardia.
O economista francês Thomas Piketty, um dos mais brilhantes da atualidade, questiona em artigo publicado no jornal “Le Monde”: “As atrocidades cometidas durante a operação terrorista do Hamas e a resposta israelense em curso na Faixa de Gaza levantam a questão das soluções políticas para o conflito israelo-palestino e do papel que outros países podem desempenhar na tentativa de promover desenvolvimentos construtivos. Poderemos ainda acreditar na solução de dois Estados, tornada obsoleta, segundo muitos, pela extensão da colonização, por um lado, mas também, por outro lado, pelo desejo de negar a própria existência de Israel e de eliminar os cidadãos, que acaba de assumir a forma mais bárbara com os assassinatos e a tomada de reféns dos últimos dias?”

Mesmo a opressão histórica não pode ser álibi para o terrorismo.

A punição a terroristas não pode justificar vingança contra todo um povo. Mas se uma parte não quisesse destruir Israel, visto como imposição internacional, o todo poderia viver em paz em dois Estados soberanos.

Não estabelecer um corredor humanitário de escape para civis desde o começo fere princípios humanitários e civilizacionais básicos.

O Egito, ao manter sua fronteira fechada, lava as mãos.

Com sangue.

Deixar dois milhões de pessoas sem água e luz é brutal. Um cessar-fogo é urgente.

Tudo, porém, é preciso repetir incansavelmente, começou com um atentado terrorista cruel, um plano minucioso para matar inocentes.

A palavra inocente deveria ser dita a cada linha.

Mais uma vez, o ódio venceu.

Impossível não imaginar a dor de famílias, inclusive de Porto Alegre, que perderam entes queridos no bárbaro atentado do Hamas.

Assassinar inocentes é imperdoável.

A população civil palestina deve ser protegida.

O Hamas, extinto.

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