Juremir Machado da Silva

“Oppenheimer”, o triunfo da vaidade

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“Oppenheimer”, o triunfo da vaidade Divulgação

O filme Oppenheimer, de Christopher Nolan, baseado no livro American Prometheus, de Kai Bird e Martin J. Sherwin, ganhador do prestigioso prêmio Pulitzer de 2006, nos Estados Unidos, faz parte de uma categoria em extinção: o longa longo. Três horas de duração. Fomos vê-lo, no Shopping Moinhos, único estabelecimento do gênero que me atrevo a adentrar, às cinco da tarde, único horário aceitável para sexagenários como eu diante da duração do espetáculo. No padrão clássico de Hollywood, é um belo filme. Tem uma história densa, herói contraditório, antagonista, vilão por vaidade e patriotismo, figuras míticas da ciência, Albert Einstein e Niels Bohr e outros, e um fio condutor infalível: ao fazer a bomba atômica os homens roubaram o fogo dos deuses e, como Prometeu, pagarão por isso pelo resto do tempo.

Em O gene, uma história íntima, uma biografia da genética, melhor do que qualquer romance publicado no Brasil nos últimos 40 anos, o indiano Siddhartha Mukherjee cita uma frase de Arthur C. Clarke que explica, em parte, o fascínio pela história de Oppenheimer, considerado o pai da bomba atômica: “Qualquer tecnologia avançada o suficiente é indistinguível da magia”. Como foi possível que cientistas tenham ido tão longe? Outra citação do mesmo livro, essa de William Bateson, responde: “Quando o poder é descoberto, o homem sempre recorre a ele”. Oppenheimer e seus cientistas, isolados numa cidade construída no meio do deserto, em Los Alamos, achavam que estavam construindo um artefato por razões científicas, não para usá-lo. Pagaram caro por essa ingenuidade ou cegueira deliberada.

Paradoxal é que o próprio Oppenheimer chegou a crer que a construção da bomba, por dissuasão, poderia acabar com todas as guerras. O futuro mostraria que ela serviu para entronizar a guerra convencional. Como ninguém se atreve, depois de Hiroshima e Nagasaki, a explodir outra bomba atômica, resta guerrear com armas convencionais, como fazem Rússia e Ucrânia. Um ponto interessante do filme é a anedota sobre uma cidade japonesa que escapou de ser alvo por ter sido o local da lua de mel de um dos gestores do extermínio.

Em alguns momentos o filme se arrasta como deve parecer uma aula de física quântica para quem só está acostumado com entretenimentos leves, o mais pesado sendo alguma CPI da Câmara dos Deputados ao vivo. Talvez pudesse levar uma tesourada de uma hora sem perda para a compreensão do enredo. Tudo que passa de duas horas fere nossa sensibilidade formada por décadas de futebol na televisão aberta.

Longe vai o tempo em que peças de teatro podiam ter cinco horas e dois ou três intervalos para casamentos. Já ouvi alguém dizer que Oppenheimer é chato. Direi que é uma obra-prima de acordo com as regras do gênero: um longa longo que tem por primeiro interesse contar uma grande história sem sacrificar a linguagem nem revolucionar a estética. Já é o bastante. O diretor nem gosta muito de intervenções artificiais na sua lógica natural. Não fossem as três horas, eu veria de novo. Algo como ver um grande jogo do Inter duas vezes. Filmão.

A bomba é o triunfo da vaidade dos cientistas: se podemos fazer e ficar famosos com a realização, por que não iriamos tentar?

As consequências, como dizia o Barão de Itararé, vem depois.

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