Juremir Machado da Silva

Machado de Assis, cronista das classes ociosas (final)

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Machado de Assis, cronista das classes ociosas (final) Imagem: Biblioteca Nacional e Reprodução

Por que o horror da escravidão não foi o principal tema do sensível Machado de Assis? Estava ele anestesiado pelos valores do seu tempo, imerso na normalização do abuso, condicionado pelos costumes da sua época? Já em 1823, no seu projeto de abolição gradual da escravidão, José Bonifácio, que não era um primor de radicalismo libertário, escreveu:

“A sociedade civil tem por base primeira a justiça, e por fim principal a felicidade dos homens; mas que justiça tem um homem para roubar a liberdade de outro homem, e o que é pior, dos filhos deste homem, e dos filhos destes filhos? Mas dirão que se favorecerdes a liberdade dos escravos será atacar a propriedade. Não vos iludais, senhores, a propriedade foi sancionada para bem de todos, e qual é o bem que tira o escravo de perder todos os seus direitos naturais, e se tornar de pessoa a coisa, na frase dos jurisconsultos? Não é pois o direito de propriedade que querem defender, é o direito da força, pois que o homem, não podendo ser coisa, não pode ser objeto de propriedade. Se a lei deve defender a propriedade, muito mais deve defender a liberdade pessoal dos homens, que não pode ser propriedade de ninguém, sem atacar os direitos da providência, que fez os homens livres, e não escravos”

Machado de Assis esteve submetido ou ao seu tempo ou, sob certo aspecto, quase o ignorou? A resposta não afeta o seu valor literário.

Este livro (Machado de Assis, cronista das classes infames. Sulina, 2021) trata Machado de Assis aos pedaços, comentando citações escolhidas da sua imensa e extraordinária obra. Homenagem a um autor genial, não evita temas sensíveis nem polêmicas. No começo da sua carreira, Machado de Assis foi obrigado a se expor. Com o passar do tempo, adotou atitudes mais contemplativas, como se quisesse blindar-se contra as contingências do correr da existência.

Num país em que ídolo não pode ter falhas, defeitos, omissões, o perfil do maior escritor da nação não poderia sofrer retoques.

No caso de Machado de Assis, nada pode tirá-lo do primeiro lugar em talento. Restam as perguntas: o que o levou a agir como agiu e não de outro modo? Ele poderia ter sido diferente em relação a temas como abolição? De que forma? Trata ele o escravizado como pessoa, ocupando-se plenamente da sua subjetividade, dissecando os seus dramas, mergulhando no seu espírito? Compreender exige correr riscos. Em relação ao escritor Machado de Assis só se pode figurar no rodapé.

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