Juremir Machado da Silva

Pão dos Pobres, grandes perdas, esperança

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Pão dos Pobres, grandes perdas, esperança João Rocha na inundação da Pão dos Pobres

Passado o ápice do pesadelo, a hora é de limpeza, reconstrução e balanço das perdas. Não há tempo para chorar a dor sofrida. O presente se impõe como uma autoridade inflexível. A cada um o seu quinhão de tristeza. Mãos à obras é o que se dizem uns. Por que tudo isso? – alguém ainda pergunta. No mais, mangas arregaçadas, vontade férrea, ombro a ombro contra a intempérie, os golpes da sorte e a incúria oficial.

Na Cidade Baixa, em Porto Alegre, as águas ainda ocupam um vasto pedaço da rua Luís Afonso, até quase a avenida José do Patrocínio.

Água ainda não se foi de todo

Na República, onde fica a centenária Pão dos Pobres, instituição criada para atender as viúvas e órfãos da terrível Revolução Federalista de 1893-1895, as marcas da enchente estão por toda parte: nos entulhos de lixo, na lama grudada no chão, nos caminhões de limpeza espalhados e no olhar das pessoas tentando colocar alguma ordem nas coisas. A Pão dos Pobres foi duramente atingida. Á água subiu dois metros e meio. O rastro de destruição deixa um prejuízo de ao menos R$ 4 milhões.

João Rocha, 54 anos, gerente da Pão das Pobres, esteve na linha de frente do combate contra a inundação desde o primeiro momento. Foi preciso evacuar 160 crianças, transferidas para três locais: La Salle Santo Antônio, Azenha e Fundação Esperança, no Cristal. Rocha tem números de orgulho e inquietação na ponta dos lábios: 540 mil refeições preparadas por ano numa cozinha industrial novinha, instalada no final de 2023, ao custo de R$ 500 mil; 1035 aprendizes da região metropolitana, sem que se tenha informação sobre como está uma parte deles também castigada pelas cheias; meninos e meninas de 15 dias a 18 anos de idade tirados às pressas, alguns já com água pelos joelhos; equipamentos danificados das oficinas de formação em diversos ofícios como eletrônica de elevadores, serralheria e outros, até veículos para mecânica, inclusive uma BMW doada; mobiliário, etc.

Pão dos Pobres no auge da enchente

– Foi assustador. Agora, temos de trabalhar pela retomada. Vamos levar de 60 a 90 dias para voltar à normalidade. Estamos recebendo doações de alimentos, roupas, materiais de limpeza, mas, a partir de certo momento, para a efetiva recuperação, vamos precisar de dinheiro.

      Uma campanha de doações está aberta. Toda ajuda é fundamental.

Depois do grande susto, a reflexão e a coragem para refazer:

– Fica um misto de sentimento. Por um lado, uma imensa tristeza. Trabalhamos muitos, oferecemos um atendimento de qualidade, conseguimos avançar com muitos apoios e trabalho, e aí vem a água e faz todo esse estrago. É tristeza e frustração por ver se perder todo esse esforço, toda essa luta. Por outro, tem um sentimento de gratidão por todos os que se dispõem a ajudar e fazem isso – diz Rocha.

“Tudo perdido, vamos de novo”

O cenário na Cidade Baixa na sexta-feira, 17 de maio, sob um sol morno, era de day after: muita sujeira e muito trabalho. Roberta, dona do bar Sapatista, na João Alfredo, contabilizava as perdas, em torno de R$ 20 mil reais, e com ajuda de uma funcionária, tratava de retirar o que se perdeu para chegar ao recomeço. Ainda sem luz, esperava a chegada do lava-jato para avançar na labuta contra o saldo das águas:

– Estamos limpando como podemos, o pátio ainda está cheio de água, é o que resta fazer – diz, entre determinada e resignada com a situação.

Roberta

      Por toda lado, máquinas, garis, rodos e lama.

Atrás do Ginásio Tesourinha, a praça parece abrigar os restos de um bombardeio. Sentado em frente à casa, o catarinense Gilberto mantém a fleuma e filosofa:

– Perdemos tudo. O que fazer? Vamos de novo. Essa é a nossa sina.

Gilberto

Numa parte da importante avenida Getúlio Vargas, antes da Ipiranga, ainda havia água acumulada. Do outro lado, no coração do Menino Deus, a normalidade ganhava terreno rapidamente. Nem parecia o rio de dias antes. Na José de Alencar, o Hospital Mãe de Deus, um dos mais relevantes da capital gaúcha, já mostrava algum ar de rotina, apesar dos muitos caminhões especializados em reparos na frente.

A grande marca da Cidade Baixa era o cheiro. Mau odor de mofo, podre, esgoto. Por trás disso tudo, porém, esperança e prudência:

– Não podemos errar na próxima vez. A prevenção é alma do negócio.

A senhora que me diz isso segue em frente. Para ela, o nome é menos importante do que a ação. Sem mexer um dedo, aponta culpados.

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