Juremir Machado da Silva

Quatro capítulos sobre o golpe de 64: 2. Motivos

Change Size Text
Quatro capítulos sobre o golpe de 64: 2. Motivos Presidente Kennedy e Lincoln Gordon no Salão Oval da Casa Branca. Foto: Cecil Stoughton/JFK Library

Esta coluna faz parte de uma série publicada por Juremir sobre o Golpe de 1964. Leia aqui os outros capítulos.

A origem do apoio norte-americano ao golpe de 1964 pode ter começado a cristalizar-se em 13 de maio de 1959, quando o governador do Rio Grande do Sul, o intrépido Leonel Brizola, encampou a companhia de energia elétrica, pertencente à americano-canadense “Bond and Share”, pelo valor simbólico de um cruzeiro. O segundo passo viria com a encampação, em 1962, da companhia telefônica, filial da “International Telephone and Telegraph Corporation” (ITT), para aliviar a população gaúcha do estrangulamento do Estado provocado por tarifas altas e serviços de baixa qualidade, 14.300 telefones para 670 mil habitantes de Porto Alegre.

Em 1962, os americanos acusaram o golpe. O embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon, enviou comunicado cristalino ao presidente John Kennedy: “Goulart está fomentando um perigoso movimento de esquerda, estimulando o nacionalismo. Duas companhias americanas, a ITT e a Amforp, foram recentemente desapropriadas pelo governador Leonel Brizola. Tais ações representam uma ameaça aos interesses econômicos dos Estados Unidos”. A ordem, a partir daí, era colaborar francamente com os conspiradores brasileiros.

Os telegramas de Gordon a Kennedy, agora de domínio público, são um mapa da participação americana na implantação da ditadura militar no Brasil. Num deles, lê-se:  “O fundamental é organizar as forças políticas e militares para reduzir o seu poder e, em caso extremo, afastá-lo”. Numa conversa gravada e finalmente disponível, Gordon revela todo o seu empenho golpista: “Temos uma organização chamada IPES, que é progressista e precisa de alguma ajuda financeira. Acho que temos de ajudá-los”. Kennedy questiona: “Quanto vamos colocar nisso?” Ouve a resposta: “Isso é coisa de poucos milhões de dólares”. Inquieta-se: “Isso é muito dinheiro. Afinal, você sabe, para uma campanha presidencial aqui você gasta em torno de 12”. Recebe o alerta de Gordon: “Mas não podemos correr certos riscos”.

O embaixador William Draper, em 1962, advertira: “Enquanto Goulart permanecer no poder, os Estados Unidos devem persistir nos seus esforços para fazê-lo sentir a gravidade da situação econômica e financeira do Brasil, e continuar insistindo na adoção de medidas corretivas adequadas que justifiquem nossa assistência financeira em larga escala. Ao mesmo tempo, devemos tentar influenciar a sua orientação política nos sentidos mais bem calculados para servir aos interesses dos Estados Unidos (…)

É pouco? Tem mais: “Os Estados Unidos devem também intensificar sua inteligência e manter contato, discretamente, com quaisquer elementos militares e políticos de um possível regime alternativo potencial para agir pronta e efetivamente em apoio de um tal regime, na hipótese de que a crise iminente financeira ou alguma outra resulte no afastamento de Goulart”.

Tudo aconteceria conforme o roteiro. É inexplicável que Hollywood não o tenha aproveitado em filme. Um telegrama ao Departamento de Estado americano apresenta o desfecho: “Estamos adotando medidas para favorecer a resistência a Goulart. Ações secretas estão em curso para organizar passeatas a fim de criar um sentimento anticomunista no Congresso, nas Forças Armadas, na imprensa e nos grupos católicos”.

Assim nasceram as falsamente espontâneas, lamentavelmente inesquecíveis “Marchas da Família com Deus pela Liberdade”, que deram sustentação ao golpe, legitimação ao arbítrio e munição para a imprensa garantir que o golpe vinha do povo.


(do meu livro 1964, golpe midiático-civil-militar. Porto Alegre, Sulina).

RELACIONADAS

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.