Juremir Machado da Silva

Quatro capítulos sobre o Golpe de 1964: 3. Contexto

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Quatro capítulos sobre o Golpe de 1964: 3. Contexto João Goulart | Foto: Reprodução PDT

Esta coluna faz parte de uma série publicada por Juremir sobre o Golpe de 1964. Leia aqui os outros capítulos.

O Brasil que João Goulart recebeu para governar era um país atolado na desigualdade social. Somente 3.350 milhões possuíam terra. Apenas 2,2%, míseros 73.737 proprietários, dominavam 58% da superfície territorial. O quadro era desolador: numa população de cerca de 78 milhões de habitantes, 40% de analfabetos entre 15 e 69 anos, esquálidos 6 milhões (8,5%) matriculados na rede de ensino primário, míseros 900 mil (1,2%) no ensino médio e vergonhosos 93 mil (0,13%) no ensino superior, apenas 2 mil alunos de pós-graduação.

Melancólico e assustador.

Cássio Silva Moreira, em O projeto de nação de João Goulart: o Plano Trienal e as Reformas de Base (1961-1964), citando dados de 1960 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), resumiu assim a situação: “Além dessas questões macroeconômicas, é importante lembrar algumas características da economia brasileira na década de 1960. Havia um crescente desejo por reformas e o governo João Goulart era um dos principais defensores dessas mudanças estruturais”.

 Terra era problema: “A mais comentada era a agrária. A concentração fundiária era vista por muitos como um dos principais entraves para o desenvolvimento econômico, em virtude do brutal descompasso entre o número de trabalhadores rurais e o número de proprietários. No recenseamento de 1960 a área total das propriedades agrícolas no Brasil era de aproximadamente 249 milhões de hectares, distribuídos em torno de 3 milhões de empresas rurais, englobando estas toda e qualquer unidade, isto é, desde a grande fazenda ao pequeno pedaço de terra de cultivo familiar. Daquela extensão, porém, um pouco mais de 110 milhões de hectares, ou 44% da área, estavam concentrados em perto de 32 mil empresas, ou seja, em 0,97% do total destas, sobrando, assim, para os 99,3% restantes tão somente 56% da área, valendo salientar que 44,79% das unidades rurais dispunham de menos de 10 hectares”. Pior era impossível.

A participação dos brasileiros na renda de salários, em 1960, ainda segundo dados do IBGE citados por Cássio Moreira, dá uma ideia do fosso existente entre os mais ricos e os mais pobres: “20% mais pobres, 3,9; 50% mais pobres, 17,4; 10% mais ricos, 39,6; 5% mais ricos, 28,3; 1% mais rico, 11,9”. Foi esse país que Jango resolveu mudar com as chamadas “reformas de base”, entre as quais a reforma agrária, que só poderiam ser adotadas com aprovação do Congresso Nacional, tendo sido bombardeadas pela imprensa como indícios do avanço comunista no Brasil.

Cássio Moreira sintetiza: “Sob essa ampla denominação – ‘reformas de base’ – reunia-se um conjunto de iniciativas tais como: as reformas bancária, fiscal, urbana, administrativa, agrária, universitária e política. Essa última sustentava a necessidade de estender o direito de voto aos analfabetos e às patentes subalternas das forças armadas. Ademais, defendiam-se medidas nacionalistas prevendo uma intervenção mais ampla do Estado na vida econômica e um maior controle dos investimentos estrangeiros no país, mediante a regulamentação das remessas de lucros para o exterior”.

Goulart sofreu a pressão da extrema-esquerda pela aceleração das reformas e da direita pelo congelamento de qualquer mudança. Em 13 de março de 1964, em comício na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, Jango anunciou as reformas. Dois dias depois, mandou mensagem ao Congresso Nacional. Propunha, entre outras coisas, uma emenda constitucional para permitir a desapropriação de terras sem o pagamento imediato em dinheiro. Um golpe no latifúndio.

(Do meu livro 1964, golpe midiático-civil-militar. Porto Alegre: Sulina).

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