Juremir Machado da Silva

Tiroteio na Casa Branca, devastação no RS

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Tiroteio na Casa Branca, devastação no RS Foto: Gustavo Mansur

Antes das enchentes fui ao cinema ver o comentado “Guerra civil”, com Wagner Moura, dirigido por Alex Garland. Escrevi um texto duro que não publiquei. Que decepção! Filmes americanos desse tipo são quase sempre iguais. Um procedimento narrativo que se repete. Junta-se um grupo incongruente e se faz, de algum modo, que entre na chamada “jornada do herói”. No caso, um jornalista na maturidade, uma fotógrafa experiente, um velho jornalista que não quer parar e uma jovem aspirante a fotógrafa. O chamado à aventura acontece, alguém tenta impedir (a fotógrafa experiente não quer levar a jovem, o jornalista maduro não quer carregar o velho) que a coisa aconteça. Mas não tem como. Ou não tem filme. No caminho, muitas peripécias, piadas made in USA e desfecho sem erro. O suposto fraco terá seu momento heroico. O forte fraquejará. O experiente vacilará. A inexperiente passará pelo ritual de iniciação e terminará fortalecida. Eis tudo.

O roteiro do filme deve ter sido escrito em meia hora. Às vezes, parece que nem roteiro tem. Wagner Moura está bem no filme? Não sei. Lembra, às vezes, o Cigano numa novela da Globo. O ator atravessava a novela com uma cara de paisagem. As cenas de Moura são tão recortadas, enquadradas, rápidas a cada vez, que talvez ele ganhe um Oscar inédito, o de protagonista coadjuvante. Filme sobre jornalismo fotográfico, “Guerra Civil”, sem o perdão do trocadilho, baba no clichê. A fotógrafa só quer a foto. O jornalista só quer a última declaração do presidente a ser executado pelos rebeldes. O país está em guerra civil. Por que mesmo? Essa informação trivial não é dada. Afinal, não se deve explicar muito para que o espectador participe.

O Brasil está em êxtase com o filme por patriotismo. Wagner Moura é o nosso alegretense no BBB de Hollywood. “Guerra civil” é uma Sessão da Tarde com novos efeitos especiais e com o que deve ser visto pelos realizadores como uma sacada genial: um tiroteio dentro da Casa Branca. Salva-se o efeito psicanalítico: todas as obsessões norte-americanas estão ali. É nesses dias que a gente tem aquela sensação de que o cinema está morto: tudo já foi contado. De todas as formas. Não deve, contudo, ser assim. Hollywood faz o bolo com a receita que dá certo. Nada como ter um latino no papel principal para conquistar o público latino. É questão de se reconhecer na tela. Puro marketing.

Não valeu a pena sair de casa? Sempre vale ficar longe da Netflix e das suas novelas com grife. Direi de outra maneira o que achei de “Guerra civil”: patrioticamente superestimado. Wagner Moura pode muito mais do que o deixaram apresentar nessa história que surfa na onda das polarizações extremas do momento. Falta ao filme pouca coisa: conteúdo, densidade, verossimilhança, motivação, contextualização, espessura, encadeamento. Sobra perplexidade. Imagino a festa da firma da equipe do filme com brindes à grande ideia, o tiroteio dentro da Casa Branca. Eu fixaria uma faixa etária para o filme: proibido para maiores de 16 anos. Nada tem de bom no filme? Sim, tem, uma crítica à xenofobia. Tudo, claro, muito espetaculoso.

Tanto tempo depois, com as imagens do Rio Grande do Sul na mente, voltei ao texto. Já não me lembro do filme. As devastações que me impressionam agora são bem nossas. A realidade é muito mais nítida do que a ficção. Os personagens desta tragédia são governantes que não assumem qualquer erro, embora os erros sejam evidentes e muitos, um senador sumido que diz que estaria em desvio de função se viesse ajudar os flagelados, culpados que consideram totalmente inapropriado apontar culpas e pessoas sofrendo que nunca têm cara de paisagem.

Bons eram aqueles tempos em que tragédia era no cinema.

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