Juremir Machado da Silva

Um americano no Cerro dos Porongos

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Um americano no Cerro dos Porongos Spencer Leitman e Gunter Axt em Porongos | Foto de Ricardo Seelig

Spencer Leitman e sua esposa Arnel vieram ao Rio Grande do Sul, depois de quase vinte anos, para, enfim, visitar o Cerro dos Porongos, em Pinheiro Machado, onde na madrugada de 14 de novembro de 1844, infantes e lanceiros negros dos farroupilhas foram traídos, massacrados ou feito prisioneiros. Spencer Leitman é amigo de Gunter Axt, ex-secretário de Cultura de Porto Alegre. Em 1969, Spencer e Arnel passaram seis meses em Porto Alegre. Ele havia ganhado uma bolsa do seu país para estudar a Revolução Farroupilha. Em 2010, quando eu pesquisava para meu livro “História regional da infâmia, o destino dos negros farrapos e outras iniquidades brasileiras” (L&PM), Cláudia e eu jantamos com Spencer e Arnel em Nova York. Um encontro inesquecível.

Da passagem de Spencer Leitman pelo Rio Grande do Sul naquele primeiro ano do AI-5 resultou o livro “Raízes socioeconômicas da guerra dos farrapos: um capítulo da história do Brasil no século XIX” (Rio de Janeiro: Graal, 1979). A vida levou Spencer por outros caminhos. Tornou-se dono de uma fábrica de brinquedos. Ganhou a vida. Conservou a paixão pela Revolução Farroupilha. Foi um dos primeiros a denunciar o massacre de Porongos. Agora, aos 80 anos de idade, entrega-se de vez ao seu grande interesse intelectual. Almoçamos, no último sábado, com Spencer, Arnel, Gunter e Miriam, viúva do saudoso César Busatto, no restaurante Capincho, na praça Maurício Cardoso.

Encontro de muitas histórias

Citei-o em meu livro sobre assuntos e personagens como Domingos José de Almeida, visto por ele, na minha ótica, como um testa-de-ferro ou um traficante de influência em busca de negócios: “Como ministro do Tesouro, controlou uma importante parte do comércio: o agrupamento das manadas e os acordos entre os agentes de gado uruguaios e Farrapos e as charqueadas em Montevidéu. De certo modo, influenciou os preços e a direção do fluxo, manipulando as taxas e controlando as pastagens confiscadas dos legalistas. Mas, como no passado, depois da declaração da independência, a maior parte do comércio continuou sob a forma de contrabando. No entanto, na esfera econômica Almeida tinha mais influência do que qualquer outro farrapo. Temendo uma acusação de conflito de interesses Almeida liquidou suas operações de charque em Pelotas, sem perder o controle da propriedade”.

Revisando a história de Porongos

Adoro o estilo de Spencer. Parece que tudo fica muito mais claro. Foram seis meses intensos em Porto Alegre, contam Spencer e Arnel. A grande dificuldade foi conseguir acesso ao acervo do Arquivo Histórico. Depois de muita espera, valeu a intervenção do cônsul dos Estados Unidos em Porto Alegre. Nos meses de pesquisa, Spencer conheceu militares interessados no assunto. Um deles o ajudou na hora de embora. Alguém inventou que eles precisariam saldar certos impostos antes de partir. Embora não lembre dos nomes, o historiador tem bem vivas as situações. Por exemplo, do dia em que telefonou para Erico Verissimo, sem qualquer intermediação ou contato prévio. O escritor ficou contente e o recebeu calorosamente na sua casa em Petrópolis.

Pesquisador meticuloso, Spencer Leitman fez da história da Revolução Farroupilha uma janela para outro mundo, o nosso. Espírito flexível, lê e relê os fatos, alterando sua interpretação quando sente que os materiais coletados exigem dele um novo olhar. É raro entre especialistas uma postura tão pouco dogmática e tão generosa.

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