Colunistas | Juremir Machado da Silva

Provas do golpe

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Provas do golpe Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

O escritor argentino Jorge Luis Borges gostava dessa história. O filósofo francês Jean-François Lyotard faz uso dela no seu incontornável livro A condição pós-moderna. O pai da sacada seria Agripa. De que se trata? Da prova da prova. Em termos bem simples, Agripa perguntava: o que prova que uma prova é uma boa prova? No limite, cada prova exigiria outra prova e assim nada se provaria definitivamente. Bolsonaristas viraram discípulos de Agripa sem o saber: querem a prova da prova de que houve tentativa de golpe. Perguntam: o que prova que as provas da gravação da famigerada reunião ministerial do golpe provam que se falava de golpe?

Há quem defenda que nada existe fora da cabeça do observador. Outros acham que tudo existe, mas é deformado ou conformado pelo olhar de cada um. É o famoso tudo depende de ponto de vista. Sabe-se, porém, que a Terra não é plana, que a dengue não é transmitida por formigas e que Dom João VI não chegou em 1500 ao que seria chamado de Brasil. Um neopositivista como eu não hesita: nem tudo depende de ponto de vista. O colesterol, por exemplo, parece indiferente ao nosso ponto de vista. Se está alto, melhor tomar providências. Ele não baixa por decisão da nossa mente nem por pensamento positivo. A morte também não se dobra às nossas contingências. Leva todo mundo. É só uma questão de tempo. Salvo uma revolução científica. Quem sabe não nos tornaremos imortais. Quebraria o INSS.

Tem, claro, quem não tema a morte e diga: depende do que se entende por morte. Depende do que se entende por colesterol. Depende do que se entende por golpe. Depende do que se entende por entender, etc. O ex-comandante do exército, no governo de Jair Bolsonaro, general Marco Antonio Freire Gomes, o que foi chamado de cagão pelo colega golpista Braga Neto, o leão das reuniões secretas gravadas para a posteridade, declarou que não se omitiu e até trabalhou contra o golpe. Sendo assim, houve tentativa de golpe. Freire Gomes alegou não ter denunciado Bolsonaro para não criar uma crise institucional e, por efeito reverso, provocar a situação desejada pelos golpistas. Para evitar golpe, silenciou sobre golpismo. Cada um com o seu método? Depende do que se entende por método.

Uma tradição filosófica e teológica, inspirada em Aristóteles, entende que se tudo precisa de um motor para ser movido, deve existir um motor imóvel, motor primeiro, aquele que tudo move sem ser movido por quem quer que seja. Daí se conclui pela prova da existência de Deus. Céticos questionam: depende do que se entende por motor. Ateus reagem: depende do que se entende por Deus. Mecânicos pontuam: depende do que se entende por motor. Físicos refletem sobre o que se entende por movimento. O poeta Cesar Vallejo lamentava: “Há golpes tão duros na vida…” Depende do que ele entendia por golpe. O golpe de 1964, que completa 60 anos neste 1º de abril, é chamado pelos que ainda o veneram de revolução ou movimento. O general Olímpio Mourão Filho, que se via como “vaca fardada”, foi o primeiro motor desse golpe: botou seus tanques na rua e derrubou Jango.

A prova da prova do golpe de Bolsonaro é que o seu comandante do exército precisou se organizar para evitar que o coice fosse dado.

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