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Em meio à nova cheia, moradores das ilhas ainda não receberam auxílio prometido em setembro

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Em meio à nova cheia, moradores das ilhas ainda não receberam auxílio prometido em setembro Região das ilhas de Porto Alegre foi bastante afetada pelas chuvas | Foto: César Lopes / PMPA

Pacote da prefeitura para amenizar situação de atingidos por inundações chegou a menos de um quarto das residências vistoriadas até agora; Câmara de Porto Alegre quer convocar coordenador do programa

Passados mais de 50 dias desde a sanção do projeto que instituiu o Programa de Recuperação Emergencial e Auxílio Humanitário, moradores das Ilhas da capital denunciaram a vereadores de Porto Alegre atrasos nos pagamentos dos benefícios. A reunião da Comissão de Economia, Finanças, Orçamento e do Mercosul (Cefor) ocorreu na tarde desta terça-feira, em meio ao enfrentamento de novos transtornos causados por enxurradas. Outra vez intensos, os eventos climáticos voltaram a forçar parte da população a deixar suas casas. 

De acordo com o vereador Roberto Robaina (PSOL), a pauta da comissão já estava marcada antes mesmo do novo episódio de cheia do Guaíba, que ganhou intensidade a partir do último domingo. A reunião, porém, não teve representantes do executivo, ainda que tenha havido convite, segundo o parlamentar. O encontro contou com a participação do defensor público Gustavo Brunet, que lamentou a ausência da prefeitura. 

À Matinal, Robaina relatou que, ao longo do fim de semana, visitou as ilhas do Pavão, das Flores da Pintada e constatou que poucos dos moradores haviam sido visitados pela Defesa Civil para a vistoria que antecede o pagamento. Nenhum, dentre três grupos de moradores visitados, tinha recebido recursos financeiros da prefeitura. “É um escândalo”, protestou ele, argumentando que, se houver necessidade de vistoria da Defesa Civil para o pagamento, o repasse atrasará muito. 

Ele ainda criticou o processo realizado pelo município: “A vistoria vai na casa das pessoas e não deixa um documento ou protocolo. Como, depois, tu vais provar que teve a vistoria? O governo pode não pagar nada e ainda alegar que não foi feita a vistoria”, concluiu o parlamentar. 

Também integrante da Cefor, a vereadora Mari Pimentel (Novo) corroborou a falta de transparência nos dados. “Alguma burocracia travou o pagamento”, disse. “As informações estão um pouco desencontradas. A grande maioria não teve acesso ao dinheiro.” 

No início da reunião, Mari apresentou um vídeo com relatos de pessoas que estavam abrigadas. No encontro realizado na sede do legislativo, outros moradores marcaram presença. A moradora da Ilha da Pintada Joice Menezes disse aos vereadores que fez a inscrição no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) para obter o benefício do governo, mas até agora não recebeu nada. “Já é a segunda enchente e com certeza eu já perdi tudo, porque eu saí ontem de casa”, afirmou. “Eu não sei nem mais o que vai ser da minha vida, porque eu não sei nem se tenho casa.”

Joice também sugeriu que o processo das vistorias fosse flexibilizado para agilizar o pagamento. “Não tem mais casa onde não tenha entrado água”, disse na reunião. O próprio prefeito Sebastião Melo, que sobrevoou as ilhas hoje, pôde atestar: “É muito triste, não há uma casa das ilhas que não tenha sido atingida pelas águas”, declarou. 

Outros residentes das ilhas presentes na Cefor relataram problemas enfrentados nos últimos dias, como falta de água e luz, além do não recebimento do benefício. “A gente está desassistido, em vários aspectos”, resumiu o morador da Ilha do Pavão Rodrigo Mendes, que citou também a perda de animais domésticos: “Eles também fazem parte da nossa comunidade, da nossa família”.

Segundo a prefeitura informou à Matinal, até a última segunda-feira, a Defesa Civil realizou 1.003 vistorias e 732 famílias haviam sido habilitadas para receber o auxílio para a compra de mobiliário ou o auxílio destinado ao comércio. O órgão não informou quantas residências ainda serão visitadas nem a estimativa de quantas pessoas estariam aptas a receber o benefício. Segundo o município, 240 cartões já foram entregues e mais 411 devem ser encaminhados ainda nesta semana, além de outros 81 para a semana seguinte. Na resposta à redação, não foram especificados os locais onde as vistorias ocorreram, nem respondido sobre a entrega ou não de registros da visita do órgão municipal.

A prefeitura também ressalta que pagou uma parcela da modalidade Estadia Solidária a 80 beneficiários e duas parcelas a 45 famílias. Essa modalidade prevê o pagamento de até três parcelas de R$ 700 a moradores que tenham perdido a sua moradia. 

Ao fim da reunião desta terça, a Cefor encaminhou pedido de convocação do coordenador do programa na prefeitura, Rogério Beidacki, ao plenário da Câmara, para prestar esclarecimentos. O pedido será encaminhado à Mesa Diretora da Casa. 

O pacote de medidas emergenciais

De autoria da prefeitura, o Programa de Recuperação Emergencial e Auxílio Humanitário é, na prática, um pacote de medidas assistenciais aos moradores afetados por situações de emergência ou calamidade pública. O texto foi aprovado por unanimidade pela Câmara Municipal em 28 de setembro e sancionado pelo prefeito Sebastião Melo no dia seguinte. À época, Porto Alegre – em especial os residentes nas ilhas e na zona sul – ainda lidava com os danos causados pelo alto volume de chuva na cidade em setembro. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia, a capital teve 447,3 mm de chuva no período, o maior volume já registrado desde 1916 e cerca de 203% acima da média para o mês.

Os benefícios temporários foram estimados em R$ 20 milhões. Eles previam: um auxílio único de até R$ 3 mil para aquisição de móveis e eletrodomésticos; uma ajuda de estadia solidária para quem teve a moradia prejudicada, cerca de R$ 700 por três meses, que pode ser prorrogada por igual período; um auxílio único de até R$ 3 mil para a aquisição, por parte de comerciantes, de bens relacionados à atividade econômica de estabelecimentos atingidos pelas inundações. 

Guaíba chega ao nível mais alto no século 21

A cheia do Guaíba em setembro teve proporções históricas, mas foi superada menos de dois meses depois. Nesta terça-feira, quando o nível do Guaíba chegou a 3,46 m no Cais Mauá, registro inferior apenas ao da enchente de 1941. Por conta da situação, o prefeito Melo decretou situação de emergência na cidade. A medida foi publicada no Diário Oficial e simplifica contratações para mitigar o impacto da cheia na população.

Por conta da previsão de chuva e tendência de vento sul para esta quarta, o prefeito Sebastião Melo apelou para que as famílias aceitem o acolhimento oferecido pela prefeitura. Até esta terça, três pontos recebiam famílias que necessitassem de apoio: o ginásio do Departamento Municipal de Habitação (Demhab) e o do 9º BPM da Brigada Militar, além da Casa do Gaúcho, no Parque Harmonia. Segundo a Fundação de Assistência Social e Cidadania, 174 pessoas estavam abrigadas, a maioria no ginásio do Demhab. No total, mais de 1,8 mil moradores das Ilhas foram retirados de suas casas.


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